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Ópera ‘Porgy and Bess’ no Municipal de SP traz maturidade – 21/09/2025 – Ilustrada

Após um gesto orquestral intenso, a repetição obsessiva de dois acordes é sustentada por um piano, simultaneamente tosco e virtuosístico, que emula o som dos bares periféricos onde o jazz se forjou. Um crescendo extraordinário passa então a abarcar o coro, superpondo tonalidades —a marca sonora do compositor.

Assim começa “Porgy and Bess“, ópera de George Gershwin em cartaz até dia 27 de setembro no Theatro Municipal de São Paulo. Seguindo a instrução do autor, válida já para a estreia em 1935, a obra deve ser majoritariamente interpretada por artistas negros, o que inclui, na montagem paulista, não apenas as principais vozes solistas, mas membros da equipe criativa —com destaque para a direção cênica de Grace Passô e a cenografia de Marcelino Melo–, além de atores e bailarinos.

Ambientada na fictícia Catfish Row, inspirada em uma comunidade periférica na região litorânea de Charleston, no estado norte-americano da Carolina do Sul, a história sonora, contada a partir do texto original de DuBose Heyward, cria personagens fortes, como o obsessivo e sonhador Porgy —uma pessoa com deficiência física–, e a demasiadamente humana –mas também sonhadora– Bess.

A comunidade é composta por mães, pais, crianças, trabalhadores dos campos de algodão, estivadores, pescadores, vendedoras e vendedores, mas também golpistas, criminosos e traficantes. As relações dessa periferia com os centros de poder são ambíguas, e vão do abandono puro e simples ao oportunismo e à repressão.

Há amizade, jogo, droga, amor e exploração. A natureza pode ser hostil, causadora de tragédias (como a tormenta capaz de virar os barcos de navegadores experientes), mas também dar o dia de sol para a festa, o canto, a alegria e a fantasia de uma vida de paz, expressa já no primeiro número, a antológica canção “Summertime, and the living is easy” (É verão, e a vida é fácil). De vez em quando, aparece por lá um corpo estendido no chão.

Grace Passô chega a esse mundo “pisando devagarinho”: atores entram no palco, andam, encontram o fosso da orquestra, olham, escutam. Só a partir daí pode surgir o cenário de Marcelino Melo, uma ampliação gigante de sua série de miniaturas “Quebradinha”, com casas simples, varais e lajes amparadas pelo tijolo baiano. Não há clichês, na verdade há muita beleza, e toda movimentação cênica dá-se a partir da música –como deve ser numa ópera.

O uso de microfones (não obrigatório) é feito com sutileza e não descaracterizou a linguagem operática. Toda a técnica de canto é lírica –conforme o projeto do compositor–, e o flerte com outras linguagens, como canção e musical dá-se, na verdade, como força desconstrutora, e mesmo como afronta, tal como em “It Ain’t Necessarily so” (Não é necessariamente assim), da personagem Sportin’ Life, o traficante interpretado na estreia pelo tenor Jean William (em grande atuação). Com isso, a Sinfônica Municipal, dirigida por Roberto Minczuk, teve amplo espaço dinâmico para enfatizar a intrincada escrita para metais de Gershwin.

O Porgy do baixo Luiz-Ottavio Faria tem toques precisos de pureza e introspecção —como na célebre “I Got Plenty o’ Nuttin'” (Eu tenho bastante de nada)—, o barítono sul-africano Bongani J. Kubhek traz a ardência necessária para o estivador Crown, e o barítono brasileiro Michel de Souza esteve impecável como Jake.

No elenco feminino, a soprano norte-americana Latonia Moore, que cantou na estreia, interpretou Bess com alta complexidade, unindo potência e nuances, perfilando estados emocionais díspares com imensa categoria. Ao lado dela cabe destacar a Maria (da brasileira Edneia Oliveira), a Clara (da soprano colombiana Betty Garcés) e, em uma atuação marcante, tão forte como plena vocalmente, a mezzo soprano brasileira Juliana Taino como Serena.

Mesmo condensando em dois os três atos do original, o espetáculo ainda é longo, também pelo fato de o caráter episódico da escrita de Gershwin, econômico nos desenvolvimentos temáticos, redundar um tanto. Cenicamente, pareceu um pouco gratuita a utilização do vídeo filmado em tempo real, solução que subestimou a força do teatro sonoro em curso. Por outro lado, o coro preparado por Maíra Ferreira esbanjou técnica, aliada a um primoroso senso estilístico.

Tudo isso dá complexidade a esta montagem que, por seu equilíbrio, maturidade e inteligência, é um dos destaques da atual temporada lírica.

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