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‘A Palavra e o Poder’: Debate aponta falhas da democracia – 23/10/2025 – Poder

Se democracia é o encontro civilizado de ideias divergentes, um exemplo do conceito em ação aconteceu no debate de lançamento do livro “A Palavra e o Poder” no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, na noite desta quarta-feira (22).

A obra editada pela Civilização Brasileira, do grupo Record, reúne 40 artigos de nomes essenciais do discurso político nacional publicados pela Folha nas quatro décadas desde a redemocratização do país, acompanhados de textos inéditos de 40 intelectuais convidados para comentar os originais.

E o embate democrático foi levado a um nível metalinguístico quando os palestrantes no palco foram provocados a opinar sobre uma decisão editorial tomada pela própria publicação: incluir um artigo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), hoje preso e condenado pelo Supremo Tribunal Federal por liderar uma trama golpista contra o Estado brasileiro, intitulado “Aceitem a democracia”.

O texto, publicado na seção Tendências/Debates da Folha em 10 de novembro de 2024, foi editado ao lado de um artigo do diretor de Redação do jornal, Sérgio Dávila, que tem como título “Adolf Hitler na Folha“.

Diante da pergunta da mediadora, a repórter especial Fernanda Mena, os debatedores se dividiram. O advogado Oscar Vilhena Vieira, colunista do jornal e professor de direito da FGV, e o ex-ministro Gilberto Kassab (PSD), hoje secretário de Governo e Relações Institucionais da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), responderam sem hesitar que também publicariam o artigo.

Já a escritora Luciany Aparecida, vencedora do prêmio São Paulo de Literatura pelo romance “Mata Doce”, e a ativista indígena Txai Suruí, também colunista da Folha, disseram após alguma reflexão que não publicariam o texto de Bolsonaro, se fossem responsáveis por tomar a decisão.

Em sua fala de abertura, Dávila leu um parágrafo que ajuda a iluminar a discussão —aquele que encabeça a seção Tendências/Debates, criada há 49 anos pelo jornalista Claudio Abramo, que então dirigia o jornal.

“Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo”, reza o breve texto estampado todos os dias no topo da quarta página da edição impressa do jornal.

“Esse pluralismo de ideias acabaria sendo um dos pilares do Projeto Folha”, afirmou Dávila, em referência ao conjunto de princípios e normas que orientam o jornal desde o comando de Octavio Frias de Oliveira, seguido depois por seus filhos Otavio Frias Filho, morto em 2018 após 34 anos como diretor de Redação, e Luiz Frias, atual publisher da Folha.

“Desde então, mais de 150 mil artigos foram publicados. É um compêndio de A a Z de todas as matizes ideológicas, culturais e comportamentais que em algum momento formularam algo que importava para o Brasil, seja por sua projeção de país, seja pelo repúdio que suas ideias provocavam.”

Como exemplo dessa pluralidade, Dávila frisou que todos os oito presidentes da República desde a redemocratização assinaram artigos na seção agora contidos no livro, de José Sarney (MDB) a Lula (PT).

É uma amplitude de espectro ideológico que se demonstrou também no debate desta quarta —e que está em constante expansão. A colunista Txai Suruí, por exemplo, lembrou que as vozes indígenas foram tão marginalizadas ao longo da história que chegaram ao ponto da desumanização.

“Parece que a gente ainda é o outro, que não faz parte desse país, apesar de ser originário daqui. A gente vê massacre todo dia e parece que ninguém está vendo. Estamos entrando na política, na COP, querendo se fazer ouvir e construir junto essa democracia.”

Ainda não é um espaço que “sentimos que é nosso”, disse a jovem líder indígena, apontando certo constrangimento com “o jeito difícil que as pessoas falam”. “Mas a maioria do Brasil tem que discutir democracia de maneira que ela entenda.”

Diante de uma pergunta sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, que é defendida pelo governo Lula e acaba de ser autorizada pelo Ibama, respondeu que é um “crime ambiental” que vai afetar não só aquele território, mas quem vive ali. “E quem vai enriquecer com isso? As empresas.”

O secretário Gilberto Kassab, instado a comentar o mesmo assunto, afirmou que não classifica a medida como indispensável, mas “se ocorrer nos padrões 100% adequados em preservação ambiental, pode ser favorável ao Brasil”.

Foi só uma das discordâncias no palco. Quando a mediadora trouxe à tona a anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro, o líder do PSD afirmou que o debate sobre a questão no Congresso “é saudável” porque “contribui para um país mais pacificado”, mesmo evitando falar se é a favor ou não de sua aprovação.

“Essa discussão e os encaminhamentos que serão frutos dela contribuem para a concertação da relação entre os Poderes, que está fora dos trilhos, com invasão de competência”, afirmou. “Isso não é por ação coordenada de um Poder, é fruto de falta de entendimento, quando o Legislativo invade a seara do Judiciário e vice-versa.”

Kassab aproveitou para apontar algumas medidas que, segundo ele, aperfeiçoariam a democracia: o voto distrital, o fim da reeleição e a idade mínima de 60 anos para que um ministro seja indicado ao Supremo Tribunal Federal.

Se o professor Oscar Vilhena concordou com esse último ponto, fez uma fala firme contra o projeto de anistia que tem sido debatido no Congresso.

“A história brasileira é de impunidade”, afirmou. “As anistias anteriores criaram um incentivo para que os derrotados no processo democrático se sentissem à vontade para buscar subvertê-lo.”

O advogado elogiou a evolução do Brasil nos últimos 40 anos como uma “revolução de veludo” que, apesar de ter deixado frustrações em aspectos como segurança e desigualdade, avançou no combate às exclusões e mudou “a forma hierarquizada como se concebiam os brasileiros”.

“O país era decidido por poucos e, hoje, outros atores entraram no jogo. Isso desestabilizou a democracia, e esse é o desafio que vivemos agora.”

É algo que conversa com os principais pontos trazidos por Luciany Aparecida, professora de literatura da PUC de São Paulo. “No início da década de 1980, eu ouvia sobre a abertura democrática nas cozinhas das casas a que as mulheres da família me levavam. Pessoas como eu, que estavam ali, hoje discutem isso em teatros como esse aqui.”

Quando a jornalista Fernanda Mena levantou uma entrevista recente em que a filósofa Marilena Chaui dizia recear que a fragmentação da esquerda em pautas identitárias a enfraquecesse, Luciany rebateu que “nós temos uma esquerda fragmentada no Brasil, e isso é bom”.

“Nossa presença em espaços assim é pela fragmentação. Não sou eu que se imagina como o hegemônico em certos lugares”, afirmou a escritora, que é negra. “Isso não quer dizer uma quebra, que as pessoas vão soltar as mãos umas das outras. É uma ampliação das possibilidades, do olhar.”

A constatação faz boa rima com a fala de abertura feita antes pelo jornalista Naief Haddad, responsável pela organização de “A Palavra e o Poder” ao lado do colunista Rodrigo Tavares e de Flavia Lima, secretária-assistente de Redação e editora de Diversidade do jornal.

“Com esses artigos inéditos, os debates sobre a nossa democracia se renovaram e se ampliaram. Assim, o presente conversou com o passado para, quem sabe, indicar rumos para o futuro. Em resumo, esse livro é como a democracia brasileira: um projeto aparentemente inviável que, apesar de todos os problemas, se tornou uma realidade.”

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