“Mauricio de Sousa: O Filme” tem uma estrutura simples, com erros e acertos, e a inegável vocação para servir de homenagem ao pai da “Turma da Mônica“. Escolhendo a opção de contar a vida do quadrinista de sua infância até o lançamento do primeiro gibi da menina dentuça, destaca uma história familiar e descarta a construção posterior de um império de HQ e animação.
Antes de tudo, é preciso ressaltar que colocar um filho de Mauricio para interpretá-lo na tela é uma boa sacada. Não que Mauro Sousa tenha muito mais a oferecer do que a semelhança fisionômica com o pai e muita entrega no papel, mas a carreira de Mauricio é absurdamente enredada com a vida familiar.
Que ele criou a Mônica observando a filha em casa é fato conhecido. Mas o filme ressalta como outros personagens, num grupo que tem Magali, Cascão e tantos outros, são inspirados em parentes ou amiguinhos das crianças da família Sousa.
Na parte inicial do filme, com Mauricio garotinho e recebendo forte influência lúdica da mãe e da avó, o espectador é levado a esperar por um filme infantil. Há uma profusão de cenas engraçadas de Mauricio na barbearia do pai ou na escola, situações típicas de humor antigo e interiorano. Mas então Mauricio cresce e sua batalha para viver do desenho no mundo adulto às vezes segue o mesmo humor um tanto caipira, e o resultado é irregular.
Nesse ponto está o único defeito grave de “Mauricio de Sousa: O Filme”, mas não é pouca coisa. Porque é difícil saber para quem é destinado o filme: ao público infantil ou adulto? Talvez a intenção dos diretores Pedro Vasconcelos e Rafael Salgado tenha sido atingir ambas as idades, mas é um desafio grande. Exige que o espectador embarque num lirismo bem simples para acompanhar o Mauricio maduro na tela.
O recurso de mostrar o desenhista criando um de seus tipos famosos a praticamente cada momento de dificuldade chega a ser repetitivo, mas é preciso acreditar no talento de Mauricio para construir seus personagens tão facilmente.
É um gênio nisso, desenhando personagens que praticamente permaneceram imutáveis visualmente desde os primeiros traços. Ganharam apenas pequenas alterações para torná-los mais “fofinhos”, além de uma opção alternativa que viria mais tarde, de mostrá-los adolescentes na Turma da Mônica Jovem.
A narrativa exibe, além da galeria de personagens queridos do público, um pouco da história da produção de quadrinhos no país. Reproduz encontros com figuras incontornáveis, desenhistas e editores lendários como Jayme Cortez e Ziraldo, e com Octávio Frias de Oliveira, dono da Folha a quem Mauricio se associou para a produção do caderno infantil Folhinha. No suplemento, a estrela era o filhote de tiranossauro vegetariano Horácio, que Mauricio define no filme como seu alter-ego nos quadrinhos.
A verdadeira turnê pela evolução das HQs também passa pela criação de um sindicato, tarefa que Mauricio tomou como uma forte bandeira, e o lado empreendedor do artista, que conseguiu espalhar suas tiras de humor por vários jornais e publicações brasileiras utilizando os clichês —recurso que fez os rendimentos do autor subirem bastante.
No vocabulário da impressão gráfica, clichê é uma matriz metálica (ou de outro material) usada para reproduzir imagens, logotipos, desenhos ou textos na impressão. Uma espécie de “primo” do carimbo, numa comparação grosseira, e Mauricio investiu muito para criar essas placas e levar seus desenhos a várias cidades.
Misturando crianças marotas inventadas, humor ingênuo e um pouco da história cultural do país, “Mauricio de Sousa: O Filme” é um tributo digno para seu personagem principal. Um projeto simpático, que reúne diferentes gerações no elenco, com a diva Elizabeth Savalla e a jovem Tathi Lopes, revelada no Porta dos Fundos. No fim das contas, talvez consiga um pouco concretizar a intenção de atingir o público de todas as idades.