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A presença de alguns opioides no Brasil é mal documentada – 22/10/2025 – Drauzio Varella

Obtido a partir da papoula, o ópio teria surgido na Mesopotâmia há mais de 5.000 anos. No século 19, os ingleses promoveram duas guerras contra a Chinapara assegurar a si o direito infame de comercializá-lo no território chinês, como parte de uma estratégia de dominação colonial.

No início dos anos 1900, os alemães extraíram o princípio ativo: a morfina, largamente empregada com os feridos das guerras mundiais e na medicina moderna para tratamento de dores rebeldes. É um analgésico potente, de baixo custo e com toxicidade bem conhecida, qualidades importantes no uso clínico.

Em 1897, foi sintetizado outro derivado: a heroína, nome dado pela sensação de euforia e poder provocada por ela. Em 1927, o laboratório alemão Merck lançou-a no comércio, indicada como analgésico para crianças e adultos.

Na Europa e nos Estados Unidos a disseminação do uso recreativo nos grandes centros urbanos criou um problema grave de saúde pública. As propriedades viciantes da heroína guardam relação com a abstinência. As crises provocam quadros de ansiedade incontrolável que impedem o dependente de executar as tarefas diárias. Como acontece com outras drogas psicoativas, o uso continuado leva à tolerância, fase em que o usuário já nem sente prazer, mas chega ao desespero quando falta a dose seguinte.

Nos programas de tratamento da dependência, os médicos prescrevem outro derivado do ópio, a metadona, com a finalidade de aplacar os sintomas da abstinência de heroína e tirar o dependente das garras do traficante. Na verdade, substituem um opioide por outro.

A tolerância, que leva ao aumento progressivo das doses em busca de uma euforia cada vez mais difícil de obter, é a principal responsável pelas mortes por overdose.

A oxicodona, opioide sintetizado na Alemanha em 1916, começou a ser comercializada nos Estados Unidos com o nome de Oxycontin, a partir de 1995. A Purdue Pharma empregou estratégias de marketing tão agressivas que acabou processada em decorrência da epidemia de óbitos por overdose que assola cidades americanas.

O que já vinha mal, piorou muito em 2013, quando o mercado americano foi invadido por um opioide usado em anestesia nos hospitais: o fentanil, cerca de cem vezes mais potente do que a morfina.

Com a droga produzida em laboratórios clandestinos na Ásia, principalmente na China e na Índia, o tráfico se beneficiou dos baixos custos de fabricação, da facilidade de transporte, da enorme margem de lucro e da rede de traficantes mexicanos que dominam as rotas junto à fronteira com os Estados Unidos —os maiores consumidores mundiais de drogas ilícitas.

Ao contrário da heroína, consumida especialmente por pessoas que se concentram em áreas marginais das cidades grandes, o fentanil penetrou fundo na sociedade americana. A facilidade de distribuição e a potência farmacológica provocaram a tragédia que abala o país: as mortes por overdose que se disseminaram entre adolescentes e jovens de classe média, das pequenas cidades do interior. Foram 110 mil óbitos durante o ano de 2023; cerca de 80% causados pelo fentanil, medicamento em que as doses usuais estão muito próximas da dose letal.

Como resultado do aumento da disponibilidade do antídoto naloxone e das campanhas educativas nos meios de comunicação, a epidemia de overdoses começou a dar sinais de arrefecer, a partir de 2024.

A revista Time publicou um artigo em que analisa os novos opioides que começam a entrar nos Estados Unidos: “múltiplos análogos ou variações de opioides conhecidos como nitazenos têm sido detectados em uma dúzia de estados”. “Alguns têm potência semelhante à do fentanil, outros são menos prevalentes, mas exponencialmente mais potentes.”

A presença desses opioides no Brasil ainda é mal documentada. Até aqui, mesmo as apreensões de fentanil têm sido modestas quando comparadas às de crack e cocaína. É o momento certo para campanhas educativas alertarem sobre o risco de parada respiratória que essas drogas trazem. Esse não é um problema exclusivo de americanos e europeus, num mundo globalizado ele nos interessa de perto.

Nos anos 1980, apesar do tempo que tivemos para alertar nossas crianças, de que chegaria aqui a epidemia de crack que assolava as áreas mais pobres das cidades americanas, nada fizemos. Quando o crack invadiu o país, encontrou nossos jovens desprevenidos, sem noção do inferno em que se transformaria suas vidas.

“Não é só a morte que iguala a gente. O crime, a doença e a loucura também”, escreveu Lima Barreto.


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