Caso seja confirmada e aprovada a indicação do advogado-geral da União, Jorge Messias, para ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), a corte voltaria a ter em sua composição três membros oriundos do Nordeste concomitantemente, algo que ocorreu pela última vez há 36 anos.
Apontado nos bastidores como favorito do presidente Lula (PT) para a vaga aberta com a saída do ministro Luís Roberto Barroso, Messias é natural do Recife e se somaria aos ministros Flávio Dino, de São Luís, e Kassio Nunes Marques, de Teresina.
Na segunda metade da década de 1980, ao longo da gestão de José Sarney, por pouco mais de três anos, a corte chegou a ter quatro ministros do Nordeste. De janeiro a março de 1989, porém, dois deles se aposentaram: Djaci Falcão e Rafael Mayer, ambos da Paraíba.
Em 1990, foi a vez de Carlos Madeira deixar a corte. Natural do Maranhão, ele tinha sido indicado pelo próprio Sarney e se aposentou pouco depois da posse de Fernando Collor na Presidência. Com isso, permaneceu na corte, dentre os ministros oriundos do Nordeste, apenas Aldir Passarinho, do Piauí —que viria a se aposentar um ano depois.
Desde essa época, em pouco mais de 30 anos do período da redemocratização, a corte teve em suas diferentes composições no máximo um ministro nascido no Nordeste, além de um hiato de oito anos sem nenhum.
Em 1991, Collor preencheu a vaga de Passarinho com Ilmar Galvão, da Bahia, que foi substituído, por sua vez, por Ayres Britto, do Sergipe, indicado por Lula em 2003.
Após a aposentadoria do magistrado, no fim de 2012, o tribunal só voltou a ter um ministro do Nordeste no fim de 2020, com a indicação de Kassio pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). Esse número aumentaria pouco mais de três anos depois, com a chegada de Flávio Dino, por indicação de Lula.
Caso se confirme a indicação de Messias e sua aprovação pelo Senado, o Sudeste seguiria como a região com maioria de membros, num total de seis magistrados —Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Já Sul e Centro-Oeste, com Edson Fachin e Gilmar Mendes, respectivamente, permaneceriam com um representante cada, enquanto a região Norte continuaria sem ter nenhum magistrado no Supremo.
Essa ausência do Norte na corte se mantém desde 2009, quando morreu Menezes Direito, que compôs o tribunal por menos de dois anos. Natural do Pará, ele foi o único ministro nascido na região dentre os indicados desde 1985.
De modo geral, a composição atual se alinha ao que tem sido o padrão de nomeações desde a redemocratização. Dos 31 ministros nomeados no período, 18 nasceram no Sudeste. Na sequência, aparecem a região Sul, com seis magistrados, Nordeste, com cinco e, por fim, Centro-Oeste e Norte, com um ministro cada.
Considerando toda a história da corte, o Supremo nunca teve ministros nascidos em seis estados do país (Acre, Amapá, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima e Tocantins), além do Distrito Federal.
Samuel Vida, professor de direito da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e doutor em direito, Estado e Constituição pela UnB (Universidade de Brasília), destaca a importância da diversidade regional na composição da corte, especialmente num país de dimensão continental como o Brasil.
“Há uma tradição cultural que se infiltra na esfera institucional que eu chamo de sudestinocentrismo. E essa tradição naturaliza uma preponderância desmedida das representações do Sudeste e do Sul do Brasil em relação às demais regiões”, diz ele. “É preciso um esforço por garantir que as instituições consigam representar de maneira mais ampla a diversidade constitutiva do país.”
Ainda assim, ele avalia que outros aspectos se sobrepõem à questão regional, dada a falta de diversidade da corte em outros aspectos, como gênero e raça.
Apesar da pressão recorrente de parte da sociedade civil para que a corte tenha pela primeira vez uma mulher negra em seus quadros, Lula indicou, ao longo de seu terceiro mandato, dois homens e caminha para indicar o terceiro. Considerando todas as indicações feitas pelo petista em todas as suas gestões, dentre dez nomes, houve apenas uma mulher, a ministra Cármen Lúcia.
Fernando Fontainha, que é professor de sociologia do direito do Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) da Uerj e um dos organizadores do livro “Os Donos do Direito: A Biografia Coletiva dos Ministros do STF (1988-2013)”, vê a questão da origem dos ministros como um fator menos significativo no momento da decisão dos presidentes pela indicação.
Ele diz que, apesar de a questão da diversidade regional por vezes ser mobilizada para “fazer um ministro”, essa não seria a lógica de atuação do Supremo, como ocorre no caso do Parlamento, e habitar e frequentar Brasília aparece como central na dinâmica de nomeações para a corte.
“Provavelmente, esse é o dado territorial mais significativo para entender como é que se faz um ministro do Supremo, muito mais do que o local de nascimento”, diz.
Segundo mapeamento trazido no livro, dos ministros que atuaram na corte de 1988 a 2013, dois terços deles já moravam em Brasília quando foram nomeados para o STF. Dos 10 que não moravam em Brasília, 7 se encontravam em capitais do Sudeste no momento da nomeação.
Nascido no Recife, em Pernambuco, onde também concluiu sua graduação em direito, Jorge Messias passou parte da infância e da juventude em Teresina, no Piauí. Já seu mestrado e doutorado, por outro lado, foram realizados em Brasília. Foi na capital federal que sua carreira se consolidou até alcançar seu posto atual, como advogado-geral da União no governo Lula 3.