O jornal The New York Times já foi processado por Donald Trump antes. Além da nova ação de US$ 15 bilhões por calúnia e difamação, o republicano processou o jornal por uma série investigativa sobre suas finanças e dívidas com o fisco, publicada no primeiro mandato, em 2018. Perdeu e foi obrigado a pagar US$ 392 mil de custos da defesa do jornal e dos repórteres autores dos artigos.
O novo processo é um calhamaço de 85 páginas que deve provocar estranheza pela pobreza técnica dos argumentos e altas doses de hilaridade. O texto inclui todas as participações do atual presidente em produções de TV e cinema, como “Esqueceram de Mim 2”. Portanto, não tem como público-alvo juízes, promotores ou potenciais membros de um júri —que dificilmente será convocado. É uma peça de glorificação e de acomodação do fígado do homem no Salão Oval.
O publisher do Times não estará surpreso. Em um discurso, A.G. Sulzberger disse a uma plateia de jornalistas investigativos que passou o último ano examinando o manual “anti-imprensa” em países como Brasil, Turquia, Índia e Hungria. O publisher lembrou que o abuso de poder executivo e de ações judiciais fazem parte da tática para colocar a imprensa livre na defensiva.
O Times se destaca de outras empresas jornalísticas que já pagaram indenizações ao presidente por acusações que seriam derrotadas nas cortes. Ao contrário do Washington Post e das redes ABC e CBS, cujas empresas controladoras têm vastos negócios com interesses que podem ser prejudicados por uma Casa Branca hostil, o negócio do Times é notícia, ponto.
O efeito da enxurrada de ações contra a mídia americana, não importa o mérito judicial, já se percebe na autocensura de conteúdo publicado, de reportagens a opinião. Assim, um livro recém-publicado no Reino Unido vai de encontro ao resultado da pressão anti-imprensa. Ayala Panievsky é a autora de “The New Censorship: How the War on Media is Taking Us Down” (a nova censura: como a guerra contra a mídia está nos derrubando). Panievsky é fellow da City University de Londres e da Universidade de Cambridge. Cresceu em Israel e discorre com fluência sobre o efeito da guerra de Gaza na independência da mídia israelense.
A cobertura do assassinato do influenciador de ultradireita Charlie Kirk está fornecendo exemplos de como a imprensa independente americana se contorce para cobrir a crescente onda de violência política nos EUA.
A autora mostra como a confluência da tecnologia digital, da rede social e da presença de algoritmos facilitou as ações da nova direita populista autoritária e dificultaram o combate à desinformação, numa indústria jornalística economicamente devastada.
“The New Censorship” oferece material para reflexão sobre a paralisia que parece tomar conta do jornalismo que não quer servir aos autocratas. Na semana passada, Brian Kilmeade, âncora da Fox News, principal fonte de notícias do eleitor trumpista, comentou casualmente que pessoas com transtornos mentais em situação de rua que não aceitarem tratamento devem ser executados com injeção letal.
O choque nas redes foi imediato. Por muito menos, comentaristas de meios independentes teriam sido sumariamente demitidos. Kilmeade balbuciou um pedido de desculpas meia-bomba no ar e vai continuar a receber seu salário anual, estimado em US$ 9 milhões.
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