Em um mundo marcado por conflitos, desigualdade e desconfiança institucional, o multilateralismo vive um paradoxo: nunca foi tão necessário e nunca foi tão questionado. Entre a fadiga das negociações e a urgência das soluções, uma verdade permanece: sem a participação plena das mulheres, o sistema multilateral carece de legitimidade, eficácia e estabilidade.
Três décadas após a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, o abismo entre o discurso e a realidade persiste. As mulheres não são apenas um grupo de interesse, são metade da humanidade e sustentam, cada vez mais, a paz, a cooperação e o bem-estar coletivo. Ainda assim, os números revelam um desequilíbrio preocupante: em 2024, apenas 21% das representantes permanentes nas Nações Unidas eram mulheres, e 19 das principais organizações internacionais nunca foram chefiadas por uma mulher.
Na Ibero-América, uma nova geração está redefinindo o multilateralismo a partir de ministérios, universidades, redes civis e movimentos sociais. Elas falam diferentes idiomas, vêm de diversas disciplinas e compartilham uma convicção comum: a cooperação internacional deve servir para melhorar vidas concretas. O êxito do multilateralismo, portanto, não se mede pelo número de resoluções adotadas, mas por sua capacidade de transformá-las em políticas reais de paz e desenvolvimento.
Frequentemente percebido como distante, o multilateralismo é, em essência, uma prática: a capacidade de escutar o outro e buscar soluções compartilhadas. Nessa prática, as mulheres aportam uma visão ancorada na prevenção, na empatia e em uma noção ampla de segurança. Quando participam de processos de paz, os acordos têm 35% mais chances de durar ao menos 15 anos, um dado que reforça o valor estratégico da inclusão.
A liderança das mulheres ibero-americanas é especialmente relevante. A região consolidou sua presença política e hoje ocupa o segundo lugar no mundo em representação feminina nos parlamentos. Ainda assim, persistem desafios: apenas 16% das prefeituras são lideradas por mulheres, e quase 80% das mulheres políticas relatam ter sofrido algum tipo de violência. Soma-se a isso o peso desproporcional do trabalho não remunerado, que limita sua plena participação pública.
O caminho para um multilateralismo efetivamente inclusivo exige três transformações. Primeiro, reconhecer a liderança das mulheres como parte estrutural do sistema, garantindo paridade, formação e condições adequadas de conciliação familiar. Segundo, fortalecer redes de cooperação entre mulheres de diferentes regiões e disciplinas, aproveitando a experiência ibero-americana em diálogo e inovação social. E terceiro, traduzir a igualdade em resultados concretos, ou seja, medir o impacto da presença das mulheres em decisões de paz, economia e educação, para que a igualdade deixe de ser um ideal e se torne um método de trabalho.
O futuro do multilateralismo dependerá de sua capacidade de se reinventar. A liderança das mulheres é essencial para construir uma ordem internacional mais cooperativa e eficaz. Suas vozes não apenas reivindicam espaço, elas estão transformando o modo como entendemos a cooperação. Porque o multilateralismo não se sustenta em tratados, mas na confiança. A paz não se assina: constrói-se. E a igualdade não é um destino, é uma forma de viver.
Este texto faz parte da colaboração entre a Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) e a Latinoamerica21 para a difusão da plataforma Vozes das Mulheres Ibero-americanas. Conheça e junte-se à plataforma AQUI. Tradução automática revisada por Isabel Lima.
Ex-presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, ex-ministra das Relações Exteriores e da Defesa do Equador e diretora executiva da GWL Voices.
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