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Guerra em Gaza testa limites de organizações humanitárias – 16/10/2025 – Laura Greenhalgh

O instante capturado por Nader Ibrahim, cinegrafista do jornal The New York Times, resume a tragédia. A palestina Umm Al Abed Al Fioumi, acocorada numa calçada poeirenta de Gaza, diante de um fogareiro improvisado, olha para a câmera e diz: “É uma vida dura. Eu não tenho trabalho, não tenho comida, não tenho água, não tenho dinheiro, não tenho para onde ir”. Seu rosto se contrai ainda mais ao lembrar que o inverno está próximo.

O depoimento de Umm remete a Jean-François Corty, presidente da organização francesa Médicos do Mundo, um voluntariado na área da saúde criado em 1980, presente em Gaza e na Cisjordânia. “Os hospitais foram destruídos. A água potável vem de fora, o lençol freático está contaminado, não há remédios, e pelo menos 40% das grávidas sofrem de desnutrição profunda. Veremos uma alta mortalidade nas próximas semanas”.

Corty confessa que as organizações humanitárias estão esgotadas. Desacreditadas. Deslegitimadas. Tentam aproveitar a brecha de um cessar-fogo débil, reclamando a entrada de 190 mil toneladas de suprimentos, retidas em pontos de passagem controlados por Israel. Enquanto investidores de Trump sonham com a dinheirama de fundos soberanos para alavancar o negócio da Nova Gaza, essa teia de organizações corre para salvar vidas.

“Abram e deixem passar”, tem sido o apelo de Christian Cardon, porta-voz da Cruz Vermelha Internacional. Jens Lerke, do Escritório para a Coordenação Humanitária da ONU, vai nessa direção. Idem para Antoine Renard, do Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês). Hoje a ajuda internacional precisaria inundar Gaza. É verdade que um pouco de gás de cozinha voltou a circular por lá. ONGs se apressaram para montar padarias comunitárias, mas falta farinha. Tem sido assim.

Numa faixa de terra com 170 mil feridos, o colapso da estrutura hospitalar chancela o inferno. Além dos profissionais de saúde mortos no conflito, Israel teria prendido 88 médicos, 132 enfermeiros e 72 técnicos, segundo relatório da Human Rights Watch.

Talvez a mais ruidosa das prisões seja a do pediatra e neonatologista palestino Hussam Abu Safiya, em 2024. Diretor do hospital Kamal Adwan, ele perdeu um filho no conflito, mas não parou de atender. Figura estimada em Gaza, denunciou o bombardeio do seu hospital e, em particular, a situação crítica das crianças. Segue preso em Israel, extremamente debilitado, segundo seus advogados. A Anistia Internacional lidera uma campanha global pela libertação do pediatra.

Ainda que, no melhor dos cenários, a entrega de despojos avance, a troca de prisioneiros se cumpra e a suspensão dos ataques se mantenha, o papel da assistência internacional em Gaza continuará a ser crucial.

Mais de uma centena de integrantes da flotilha Global Sumud passou por um centro de detenção israelense no deserto do Negev, castigada por seu ativismo. Já organizações peritas na resposta coordenada a crises humanitárias, como faz a Cruz Vermelha desde o século 19, sofrem o castigo de uma irascibilidade sem fim, que a todo momento testa o princípio basilar desse tipo de assistência, que é “agir com humanidade, neutralidade, imparcialidade e independência”.

É preciso retomar uma lição de Amartya Sen, Nobel de Economia de 1998: não basta distribuir ajuda material. É preciso sanar a privação das capacidades humanas. Que os senhores da guerra entendam isso.


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