Que a democracia não mora apenas nas urnas e no Congresso, já se sabe. Mas em seu novo livro, o professor e colunista da Folha Wilson Gomes chama a atenção para um espaço relativamente novo onde o sistema que dá o poder ao povo se faz necessário: o da internet.
Em “A Democracia do Mundo Digital”, livro relançado neste ano, Gomes aborda o tema ao qual se dedica há 25 anos como pesquisador e mostra como as tecnologias de comunicação moldaram —e continuam moldando— a vida democrática. A democracia, diz o autor, é um conjunto de ideias e princípios que se materializa em instituições.
Segundo ele, a história da democracia digital começou antes mesmo da internet. Nos anos 1970, experimentos de “teledemocracia” já tentavam usar televisões a cabo para consultas públicas.
Foi só na metade dos anos 1990, com a popularização do computador pessoal, que surgiram condições para o que Gomes chama de “democratizar a democracia”, ou seja, ampliar a circulação, transparência e produção de informações.
Mas o digital pode permitir a conspiração antidemocrática. “Meu princípio básico é que tudo que pode ser usado para produzir mais democracia pode ser usado contra a democracia. Tudo que pode ser usado para melhorar a vida das pessoas pode ser usado para prejudicar a vida delas. E tudo que pode ser usado para diminuir o poder relativo de um grupo sobre os outros pode ser usado também no sentido contrário”, aponta Gomes.
O lado sombrio da e-democracia, sinônimo usado pelo autor, se tornou mais perceptível em 2016 —ano do brexit e da vitória da extrema direita nos Estados Unidos. Dali em diante, afirma Gomes, uma agenda negativa tomou as redes, popularizando a produção e compartilhamento de fake news, a manipulação de dados e o uso de robôs em campanhas eleitorais.
O livro de Gomes busca organizar esse campo de pesquisa, mostrando que a tecnologia não é neutra, mas um instrumento que se molda ao uso. Para o pesquisador, não se trata de um “mundo digital paralelo”, mas da própria arena onde hoje ocorrem interações políticas que influenciam e são influenciadas no mundo fora do digital.
“A extrema direita é nativa digital, mais até do que a esquerda. Mas isso não significa que o digital seja autoritário por natureza. Depende de quem o utiliza e para quê”, diz.
É pelo poder contido nas redes sociais que se provoca a discussão sobre sua regulação. A esse movimento, Gomes responde que o digital “nunca vai ser um safespace”, ou seja, um espaço seguro.
“O digital vai ter misoginia, racismo, manipulação, pedofilia porque esse é o mundo onde nós vivemos. Não podemos ter aspirações idílicas para o digital e não exigir isso da democracia, já que o digital existe em regimes democráticos.” “O que acontece no digital acontece também na vida em geral”, resume ele.