De tempos em tempos, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), volta à cena política como uma incógnita.
No protesto bolsonarista do 7 de Setembro, ele atacou, em discurso na avenida Paulista, o STF (Supremo Tribunal Federal) e chamou o ministro Alexandre de Moraes de tirano. Afirmou também que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), inelegível e condenado pela trama golpista, seria o candidato em 2026. Ao deixar o palanque, cumprimentou apoiadores como se estivesse em campanha.
Semanas antes, havia intensificado a agenda política, incluindo viagens e encontros com grupos que buscam projetá-lo ao Planalto. Nos últimos dias, buscou enfatizar a preferência pela reeleição em São Paulo e elogiou a Justiça Eleitoral.
Essa ambiguidade, avaliam especialistas, deve perdurar até as eleições do ano que vem, em meio à tentativa do governador de angariar tanto apoiadores moderados quanto bolsonaristas.
“Tarcísio vai ter de continuar ‘kassabeando’, com os pés em duas canoas”, diz Marco Antonio Carvalho Teixeira, cientista político da FGV. A referência é ao presidente do PSD, Gilberto Kassab, que está no governo do bolsonarista em São Paulo ao mesmo tempo em que seu partido tem três ministérios no governo Lula.
Para o professor, Tarcísio tenta agradar diferentes parcelas da sociedade, a começar pela família Bolsonaro e os seguidores que cultuam a figura do ex-mandatário. Não à toa, afirma Teixeira, o governador deve aguardar até a última hora para anunciar uma provável candidatura, a fim de mostrar fidelidade ao padrinho político que detém parcela expressiva do eleitorado, mesmo após a condenação no STF por tentativa de golpe de Estado.
A rigor, a ambiguidade não é algo novo na trajetória de Tarcísio.
Em 2014, ele integrou o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) ocupando o cargo de diretor do Departamento de Infraestrutura de Transportes. Cinco anos mais tarde, em outra frente ideológica, tornou-se ministro da Infraestrutura de Bolsonaro. Estava ao seu lado na live em que Bolsonaro riu ao comentar um suposto aumento de suicídios na pandemia da Covid.
Tarcísio foi alçado ao Palácio dos Bandeirantes graças ao apoio do ex-presidente e, em paralelo, o histórico em funções técnicas agradou setores do empresariado.
“É uma situação de ambiguidade. Tarcísio não quer perder os votos dos bolsonaristas e sabe que, se quiser competir com chances, precisará desses votos. Mas também entende que uma guinada radical vai provocar a perda do eleitorado de centro”, afirma o cientista político da USP José Álvaro Moisés. A necessidade de dialogar com moderados, diz ele, não significa uma regressão do bolsonarismo sem Bolsonaro, ou seja, depois da condenação no Supremo.
“Não creio que necessariamente a condenação vai afastar o radicalismo. Essa ideia de que o bolsonarismo está sendo perseguido pode recrudescer o movimento”, afirma Moisés. A postura ambivalente de Tarcísio deve se intensificar até a corrida eleitoral, avalia. Trata-se de uma resposta à maneira fragmentada como a direita se apresenta agora, sem a liderança de Bolsonaro.
A antropóloga Isabela Kalil, coordenadora do Observatório da Extrema Direita, ressalta que o bolsonarismo sempre foi um movimento que agrupou grupos heterogêneos. Eram agropecuaristas, religiosos, armamentistas, entre outros, ao redor de uma mesma liderança.
Quem for o candidato da direita, afirma Kalil, precisa, antes de tudo, mobilizar uma vez mais esses segmentos, sem deixar de dialogar com o centro. De todo modo, em sua visão, o futuro da direita sairá em um primeiro momento de bases radicalizadas, dado o legado de Bolsonaro.
“Quando Aécio Neves questiona, em 2014, as urnas, isso deixa a direita suscetível a um projeto extremista”, afirma a antropóloga, acrescentando que direita radical sempre existiu no país porque, segundo ela, o brasileiro tende a ser mais conservador.
Em alguns momentos, a ideologia conservadora teve maior representação em termos eleitorais. Foi o caso da Ação Integralista Nacional, nos anos 1930, maior movimento de inspiração fascista fora da Europa. Seu lema “Deus, Pátria, Família” passou a ser adotado por Bolsonaro, que chegou ao Planalto evocando, a um só tempo, um discurso religioso e militarista.
De todo modo, Tarcísio, como candidato, precisaria escorar-se em alguma força política no Congresso. E ele parece já tê-la encontrado: a federação entre o União Brasil e o PP, que pode chegar a ter 109 deputados e 15 senadores, as maiores bancadas nas Casas Legislativas, com fundo de R$ 1 bilhão. “As lideranças de direita vão rivalizar para ver quem detém mais fatias do bolsonarismo, que reuniu pessoas muito diferentes”, afirma Kalil.
Em última instância, Tarcísio ainda investirá na ambiguidade como forma de refletir a fragmentação do eleitorado, avaliam os especialistas. É uma atitude que, na história da filosofia política, lembra a alegoria que Nicolau Maquiavel desenvolve no capítulo 18 de “O Príncipe”, que trata do líder como metade leão, para afastar os inimigos, e metade raposa, para se afastar das armadilhas.