O Senado do Uruguai votará na próxima quarta-feira (15) um projeto de lei que prevê a autorização da eutanásia. Com maioria favorável na Casa e com o apoio do presidente Yamandú Orsi, será muito difícil que seja rejeitado.
A presidente da comissão, a senadora Patricia Kramer (Frente Ampla), destacou que a deliberação encerra um “processo longuíssimo”, com audiências a todas as instituições que pediram a voz, incluindo a Igreja Católica e entidades médicas de distintas filiações.
“Foi uma discussão honesta, comprometida e profunda”, afirmou. O espírito do documento é claro: tratar um tema sensível com maturidade democrática, ouvir divergências e construir salvaguardas.
Em conversa com a Folha, o deputado Luis Gallo, da Frente Ampla, explicou os detalhes da lei, chamada no país de “Morte Digna”.
“As condições para que se requisite a eutanásia são, em primeiro lugar, que a pessoa seja maior de idade. Que passe por uma avaliação psiquiátrica para que se estabeleça que está em condições de tomar essa decisão e também por um segundo médico, que não seja o especialista que a acompanhe, para outra opinião.”
“Esses médicos devem estabelecer que a pessoa está diante de uma etapa terminal de uma patologia incurável e irreversível e que, por conta disso, esteja passando por um padecimento insuportável.”
A objeção de consciência por parte dos médicos está contemplada, mas com a obrigação de que encaminhem o procedimento para quem o possa realizar. Essa proposta evita atalhos, não substitui cuidados paliativos, dá transparência e preserva a autonomia do paciente.
Segundo estudos feitos pelo comitê que formulou o projeto de lei, mais de 80% dos pacientes que pedem a eutanásia estão nas etapas finais de um câncer ou com ELA (esclerose lateral amiotrófica).
Essa provável nova conquista histórica uruguaia não é aleatória. O país tem a saudável trajetória de respeito aos direitos civis, fundada no início do século 20, quando José Batlle y Ordóñez, um presidente à frente de seu tempo, colocou essas pautas em primeiro lugar.
Desde então, a tradição laica e liberal impera no país, que, nas últimas décadas, entregou marcos como aborto legal (2012), casamento igualitário (2013) e regulação da produção e distribuição da maconha (2013).
O que faz do caso uruguaio uma referência não é só o mérito da pauta, mas o método. A comissão ouviu atores diversos, lapidou o texto e, sobretudo, expôs um acordo interpartidário raro em temas morais: votos da Frente Ampla e de setores da oposição tendem a compor a maioria no plenário. É a democracia funcionando quando mais importa, ou seja, na definição de direitos individuais.
Se aprovada, a lei uruguaia colocará a América do Sul diante de um precedente legislativo próprio (até aqui, Colômbia, Peru, Equador avançaram, mas por vias judiciais). No Uruguai, no caso de aprovação, a eutanasia será parte da Constituição, e a rede pública de saúde será obrigada a dar acesso ao recurso.
Resta agora regulamentar bem as várias etapas do processo e monitorar a aplicação. Graças ao Uruguai, a América Latina dá um passo à frente.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.