20.8 C
Nova Iorque
quarta-feira, outubro 8, 2025
No menu items!

Buy now

spot_img
No menu items!

Como Trump encurralou Netanyahu para negociar paz – 08/10/2025 – Mundo

Duas semanas antes de viajar aos Estados Unidos para discutir o plano de paz apoiado por Donald Trump para encerrar a guerra em Gaza, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, ficou diante de seus seguidores de ultradireita em um assentamento israelense na Cisjordânia ocupada e fez uma promessa:

“Não haverá Estado palestino”, disse ele. “Este lugar é nosso.”

Agora, sentado em um quarto de hotel em Nova York com seus assessores mais próximos e interlocutores americanos, ele olhava para um rascunho de documento que terminava exatamente com o oposto: um “caminho crível”, ainda que vago, para um futuro Estado palestino.

A surpresa estava no final, disse uma pessoa informada sobre a reunião, ocorrida no fim de setembro. Segundo esta pessoa, parecia uma traição final.

Não foi a única surpresa. O documento de Trump era fruto de uma rodada frenética de lobby do Qatar, Arábia Saudita e outros países árabes e muçulmanos influentes —e também da irritação do presidente com o ataque israelense de 9 de setembro contra negociadores políticos do Hamas em Doha.

A pressão diplomática contou ainda com a influência renovada do genro de Trump e ex-enviado para o Oriente Médio, Jared Kushner.

O objetivo deles, segundo pessoas envolvidas no processo, era satisfazer as ambições políticas e pessoais do presidente dos EUA.

Trump queria garantir a libertação dos 47 reféns israelenses mantidos pelo grupo terrorista Hamas, acabar com a guerra em Gaza e também manter vivo seu sonho de intermediar uma grande reaproximação entre Israel e a Arábia Saudita.

O prazo também não era aleatório: Trump queria que a guerra terminasse até o segundo aniversário do ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023. O Prêmio Nobel da Paz, cobiçado por ele, será anunciado nesta sexta (10).

Desde o início, Trump entendeu que os reféns são as chaves que abrem todas as portas no Oriente Médio, disse um ex-diplomata israelense que atuou como contato com Washington em nome das famílias dos reféns.

Trump reuniu-se com reféns libertados, conhecia alguns pelo nome e acompanhava sua recuperação — uma conexão pessoal muito superior à de Netanyahu. Seu enviado, Steve Witkoff, troca mensagens com as famílias.

Mas para libertar todos os reféns de uma só vez e colocar seu grande plano para o Oriente Médio em ação, Trump precisava que Netanyahu fizesse concessões e apresentasse um plano para o pós-guerra. Isso era necessário não apenas para convencer o Hamas, mas também para acalmar os aliados árabes de Washington, irritados com a postura beligerante de Israel.

Entre os mais influentes estava o Qatar, que abriga o escritório político do Hamas e tem sido fundamental para dois anos de esforços de mediação, disseram pessoas envolvidas nas negociações. O ataque de Israel a Doha, aliada dos EUA, justamente quando o Hamas estudava uma proposta de cessar-fogo de Witkoff, enfureceu Trump.

De fato, quando Netanyahu chegou à Casa Branca em 29 de setembro —dias depois de Trump ter apresentado seu plano de paz aos líderes árabes—, o presidente lhe entregou um fone de telefone e ouviu enquanto Netanyahu se desculpava com o primeiro-ministro do Qatar.

Enquanto Netanyahu tentava suavizar referências a um Estado palestino no que se tornou o plano de paz de 20 pontos de Trump, uma equipe técnica do Qatar estava instalada na Casa Branca.

Era impossível mudar mais que algumas palavras, disse uma pessoa que leu os rascunhos. Israel tentou garantir o direito de retomar a guerra caso o Hamas violasse o acordo. A resposta foi clara: “parem de procurar brechas”. O próprio Trump havia garantido aos árabes que Israel não reiniciaria a guerra. Essa promessa foi confirmada por uma segunda pessoa familiarizada com as conversas entre a Casa Branca e autoridades árabes.

O plano incluía cláusulas inaceitáveis para as bases messiânicas e de ultradireita de Netanyahu: proibição de deslocamentos forçados, direito dos habitantes de Gaza de deixar o território sitiado e retornar quando quisessem, possibilidade de anistia para combatentes do Hamas que entregassem as armas e concordassem com a “coexistência pacífica”, em vez de serem caçados até a morte.

Israel não só não teria permissão para ocupar ou anexar Gaza, como também não poderia construir assentamentos lá. A ONU, criticada por Netanyahu, teria permissão para voltar a alimentar os palestinos famintos pelo bloqueio de Israel.

Ainda assim, havia o suficiente no documento para Netanyahu salvar a face: o Hamas seria excluído do governo palestino, desarmado, e Gaza desmilitarizada. Uma comissão de tecnocratas palestinos e um órgão internacional presidido por Trump administrariam temporariamente o território, e não a Autoridade Palestina, com uma força internacional de segurança.

Mas o mais importante, segundo dois funcionários israelenses, foi a linguagem que Trump usou ao anunciar isso —se o Hamas rejeitasse o acordo, ele disse, “Israel teria meu total apoio para concluir a tarefa de destruir a ameaça do Hamas”.

Ao lado de Trump, Netanyahu parecia abatido. Ele havia enfrentado e superado três presidentes americanos: Clinton, Obama e Biden. Mas, com Trump, não havia espaço de manobra.

Agora, ele enfrentava uma intensa pressão do presidente que ele havia declarado com confiança ser “o maior amigo que Israel já teve na Casa Branca”.

Embora Trump tenha há muito tempo deixado os aliados dos EUA nervosos com sua abordagem transacional à política e suas decisões voláteis, Netanyahu via o líder americano e sua base política fervorosamente pró-Israel como fontes confiáveis de apoio.

Mas, no início deste ano, Trump o surpreendeu com o anúncio de que os EUA estavam mantendo negociações indiretas com o Irã, depois o deixou constrangido ao lembrá-lo de que Israel era sustentado por bilhões de dólares em ajuda americana.

“A regra geral é que os interesses de Donald Trump vêm em primeiro lugar”, disse Michael Oren, ex-embaixador de Israel nos EUA.

Antes de Trump, Netanyahu expandiu os assentamentos, apesar das objeções de Obama, e retardou as negociações de paz durante o governo Clinton. Referindo-se às exigências de Biden sobre a condução da guerra em Gaza, Oren acrescentou: “O presidente Biden ficou famoso por dizer não, não, não — e Israel fazia. (…) Mas com Donald Trump, quando ele diz para não fazer, você não faz.”

Na última sexta-feira (3), quando o Hamas escolheu a parte do acordo que mais agradava a Trump — a libertação em 72 horas de todos os reféns restantes, vivos e mortos —, evitando os elementos mais controversos, Netanyahu se viu encurralado.

“De repente, houve uma mudança fundamental na situação. Antes, o Hamas tinha três opções —podia se render, podia renunciar ao terrorismo ou podia morrer”, disse Oren. “Agora, tem uma quarta opção— negociar. Enquanto eles negociam, Israel tem um sinal vermelho.”

Logo após a declaração do Hamas, Trump ordenou que Israel cessasse imediatamente as operações militares em Gaza enquanto as negociações continuavam.

Em uma ligação telefônica com Trump, divulgada inicialmente pela Axios e confirmada por uma autoridade israelense, Netanyahu tentou convencer Trump de que a aceitação condicional do Hamas era uma tática para ganhar tempo.

Trump respondeu: “Por que você é tão negativo?”, relatou a Axios.

Dias depois, Trump reforçou publicamente seu argumento, dizendo a um repórter israelense que não foi difícil convencer Netanyahu a aceitar a situação. “Ele concordou com isso. Ele tem que concordar com isso. Ele não tem escolha”, disse Trump ao canal de notícias israelense Channel 12. “Comigo, você tem que concordar.”

Related Articles

Stay Connected

0FansLike
0FollowersFollow
0SubscribersSubscribe
- Advertisement -spot_img

Latest Articles