O primeiro dos 14 brasileiros integrantes da flotilha Global Sumud, detida por Israel enquanto tentava levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza, desembarcou no Brasil na noite desta segunda (6). O ativista Nicolas Calabrese foi recebido no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, por um grupo de cerca de 40 manifestantes pró-Palestina.
Emocionado, ele detalhou o período em que esteve sob a custódia israelense. Segundo Calabrese, o pior momento que passou foi quando a Marinha do país invadiu o navio em que ele estava.
“A gente foi interceptado de forma violenta por mais de 15 soldados da Marinha israelense entrando nos nossos navios, apontando fuzis para a gente. Estavam armados até os dentes e encapuzados ao melhor estilo dos terroristas”, disse o ativista no saguão de desembarque do Galeão.
Segundo Calabrese, após serem levados a um porto em Israel, os ativistas foram “violentados constantemente, empurrados e chutados”. Ele conta que ficou 20h sem poder urinar. Além disso, os militares não teriam dado qualquer informação sobre a localidade onde estavam, nem a possibilidade deles se comunicarem com suas famílias.
“Quem tentava falar algo com um companheiro era deixado no sol ajoelhado”, disse.
Na chegada ao Rio, ele foi abraçado por manifestantes que empunhavam cartazes com mensagens pró-Palestina e cantavam palavras de ordem pedindo liberdade para os detidos da flotilha. Também estava presente na recepção ao ativista o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ).
Nicolas Calabrese é professor de educação física, educador popular da Rede Emancipa no Rio de Janeiro (voltada para jovens e adultos) e militante do PSOL. Ele nasceu na Argentina e tem cidadania italiana, mas vive no Brasil há mais de dez anos. Ele foi deportado inicialmente para a Turquia, custeado pelo consulado da Itália em Israel.
O ativista afirmou que seus pertences foram levados pelos agentes israelenses, incluindo seu celular e seus documentos da Argentina e do Brasil. Ele ficou apenas com seu passaporte italiano e roupas dadas na prisão.
Calabrese disse que, em um primeiro momento, os agentes de Israel ofereceram para os detidos um termo em hebraico, sem tradução, que ninguém assinou, apesar da insistência dos militares. Segundo o ativista, Israel queria que eles reconhecessem que estavam tentando entrar em território israelense sem autorização.
Ele disse que sua deportação foi mais célere do que a dos outros colegas brasileiros pelo fato dele ter o passaporte italiano. As autoridades do país europeu teriam agido mais rapidamente para liberar seus cidadãos.
“Assim que fui recebido pela cônsul da Itália ela entrou em contato com minha mãe na Argentina e disse ‘Nicolas está bem e será deportado amanhã’. Dito e feito. Agora, por que o cônsul brasileiro não prestou essas informações [para as famílias brasileiras]. Isso é um absurdo”, disse, voltando a criticar a demora da ação do governo brasileiro.
De acordo com o ativista, alguns colegas brasileiros que continuam detidos se recusaram a aceitar os termos de deportação exigidos por Israel por “posição política” para não concordar com o “sequestro” feito pelo Estado de Israel. Além disso, eles estariam manifestando oposição ao cerco contra o povo palestino pelo governo de Israel.
Questionado sobre o posicionamento feito pelo presidente Lula nesta segunda, em que o brasileiro acusou Israel de violar direitos e criticou as ações contra embarcações que tentavam chegar à Faixa de Gaza, o ativista afirmou que ainda não tinha se informado sobre a declaração pois estava no avião e sem celular.
“Fico feliz em saber que tenha se posicionado, mas a gente sabe que discurso não basta, só uma publicação é muito pouco ainda. Precisa uma comitiva da diplomacia lá em Israel. Políticas concretas para minimamente ter informação e ter uma previsão de quando todos vão ser libertos”, disse Calabrese.
A flotilha Global Sumud partiu de Barcelona, na Espanha, no dia 31 de agosto, com cerca de 45 embarcações e ativistas e mais de 400 pessoas de diversas nacionalidades. Os barcos começaram a ser interceptados na quarta (1º).
Outros brasileiros que pretendiam chegar a Gaza ao furar o bloqueio imposto por Tel Aviv continuam na prisão de Ktzi’ot, no deserto de Negev, perto da fronteira com o Egito. O grupo recebeu uma visita do governo brasileiro nesta segunda.
Entre eles está Thiago Ávila, que já havia sido preso por Israel na empreitada anterior do grupo, em maio. Além dele, fazem parte da comitiva a deputada federal Luizianne Lins (PT-CE), a vereadora Mariana Conti (PSOL), de Campinas, assim como a presidente do partido no Rio Grande do Sul, Gabrielle Tolotti. Também há outros militantes pró-Palestina e sindicalistas como Magno de Carvalho Costa, dirigente do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP).