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7 de Outubro não pode ser desculpa para Gaza, diz Fania Oz – 05/10/2025 – Mundo

Crítica do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e dos rumos que a guerra na Faixa de Gaza tomou, a historiadora e escritora israelense Fania Oz-Salzberger diz não saber como lidar com aqueles que punem coletivamente os judeus pelo conflito —assim como seu governo faz com os palestinos, em suas palavras.

“Luto contra eles em minhas palestras, nas redes sociais, em minha conta no X, mas não sei o que fazer”, diz ela em entrevista à Folha. “Quanto aos amigos de Israel, tenho pedido nos últimos dois anos, em todos os lugares que pude, que imponham sanções a Netanyahu e a membros de seu governo.”

Filha do renomado romancista Amós Oz, morto em 2018, Fania ocupa uma posição incômoda na sociedade israelense atual: a de uma moderada. Ainda traumatizada pelos ataques de 7 de outubro de 2023, que completam dois anos nesta terça-feira (7), a historiadora diz que os atentados terroristas do Hamas não podem ser uma desculpa para o que ocorre no território palestino.

“Os governos não têm permissão para se comportarem como traumatizados. Eles devem liderar e assumir responsabilidades”. afirma Fania, que participará, a convite do Instituto Brasil-Israel, da 4ª edição do Festival Literário do Museu Judaico de São Paulo, que acontece de 9 a 12 de outubro.

Nesta terça, os atentados de 7 de Outubro completam dois anos. Como o trauma desses ataques evoluiu na sociedade israelense?

Para muitos israelenses, a situação é como a de qualquer pessoa que você conheça que sobreviveu a um trauma e não recebeu o tratamento adequado para lidar com ele. No meu caso, conheço pessoalmente pessoas que sobreviveram, que foram feitas reféns e que estão enlutadas. E muitos israelenses estão no mesmo barco, porque somos uma nação pequena.

Agora, quero fazer duas observações sobre o que acabei de dizer. O fato de que muitos israelenses, como eu, ainda estejam traumatizados não pode ser uma desculpa para o tipo de guerra que nosso governo e Exército estão conduzindo em Gaza. Os governos não têm permissão para se comportarem como traumatizados. Eles devem liderar e assumir responsabilidades. Devem fazer o melhor para sua nação. Devem curar seu povo. E este governo não está fazendo nada disso.

Então esta é a triste verdade: não estamos sendo curados, mas isso não pode ser vendido ao mundo como uma desculpa para a guerra que estamos conduzindo agora em Gaza.

Como foi para a sua geração, que cresceu no pós-Segunda Guerra Mundial e testemunhou os Acordos de Oslo, ver o que aconteceu no 7 de Outubro?

Estamos vendo nossa história de vida desmoronar diante de nossos olhos. Fizemos parte da esperança pela paz, nos alegramos com os Acordos de Oslo, esperamos que as coisas mudassem para melhor entre israelenses e palestinos e vimos Itzhak Rabin ser assassinado —no meu caso, eu estava fisicamente presente, a cerca de 30 metros do local do assassinato.

[Fania se refere ao ex-primeiro-ministro israelense que assinou os Acordos de Oslo antes de ser assassinado, em 4 de novembro de 1995, por um ultranacionalista judeu.]

Nós e outras pessoas mais velhas somos o disco rígido desta nação. Sabemos como nossos pais e avós se sacrificaram para estabelecer o Estado de Israel, conhecíamos suas esperanças —no meu caso, esperanças por uma democracia liberal, uma sociedade humana, a coexistência judaico-árabe. Tudo isso agora está em câmera lenta, como uma espécie de pesadelo desmoronando diante de nossos olhos.

Antes dos ataques, Israel estava imerso em protestos massivos contra a reforma judicial da coalizão de Netanyahu. Qual foi o impacto dos atentados na política israelense?

Quando ocorreu o 7 de outubro, estávamos no meio de uma luta cívica contra o ataque ao Judiciário. Estávamos no meio de uma revolta secular, judaica, liberal e humanista contra ameaças. E então veio o ataque. Nunca estive tão chocada ou rodeada por tantas pessoas chocadas. Meu pensamento inicial foi o de que era o fim da reforma judicial. Pensei que não iriam continuar dividindo a nação em pró e anti-Netanyahu. Isso iria acabar.

Naquele dia, o movimento nem estava pensando na defesa da democracia. As pessoas correram para defender as vítimas. Tínhamos diferentes áreas de especialização e diferentes grupos de voluntários —um mecanismo que imediatamente se transformou em uma operação de resgate, especialmente porque o governo estava completamente fora de si. Netanyahu não falou por muitas horas, ninguém sabia o que estava acontecendo. Alguns de seus ministros nem atendiam seus telefones, porque era Shabat, e outros não tinham nada a dizer. Então, assumimos as funções do governo para salvar pessoas.

Nunca nos ocorreu que teríamos que voltar a lutar pela democracia após esses dias horríveis. Mas logo ficou claro que o governo continuaria com seu ataque à separação de poderes e ao Judiciário. E assim, gradualmente, o movimento de protesto ressurgiu.

A senhora escreveu recentemente que Netanyahu perdeu sua legitimidade. Pode explicar essa posição?

Não há dúvida sobre isso, mesmo no sentido legal. Não sou professora de direito, sou professora de história, mas faço parte de vários grupos de especialistas em direito e constituição.

Primeiro, a guerra que está sendo travada agora em Gaza se tornou uma guerra criminosa de uma perspectiva internacional, mas também da nossa perspectiva, se quisermos ser uma democracia. Uma causa justa se deteriorou em massacre em massa de civis. Em segundo lugar, Netanyahu é criminoso porque agora está sendo julgado por três acusações de corrupção e está fazendo o o que pode para escapar do julgamento ilegalmente.

E nem estamos mencionando a Cisjordânia, onde ele permite que o Exército deixe que colonos extremistas matem, mutilem e roubem palestinos. Então, em todos os aspectos —desde a política interna, dentro de Israel, até comunidade internacional e Gaza e Cisjordânia—, ele é um primeiro-ministro desonesto.

Israel enfrenta críticas crescentes até mesmo de aliados históricos. Como a senhora acha que o país poderia recuperar a confiança da comunidade internacional?

Há duas coisas diferentes nessa questão.

Primeiro, Israel está enfrentando enormes críticas de seus próprios aliados e de pessoas que não são amigas de Israel, mas que são pessoas justas. E eu compartilho muito dessas críticas. Mas, quando saem de seu país, os israelenses recebem um tipo de ódio generalizado por terem nascido israelenses. E isso é algo que não sei como resolver, é algo muito sombrio sobre a capacidade de punir coletivamente.

Da mesma forma que meu governo está punindo coletivamente os palestinos —e eu sou totalmente contra isso—, algumas pessoas no mundo estão punindo coletivamente cada israelense. Os extremistas estão punindo cada judeu. Não sei o que fazer com essa multidão. Luto contra eles em minhas palestras, nas redes sociais, em minha conta no X, mas não sei o que fazer.

Quanto aos amigos de Israel, tenho pedido nos últimos dois anos, em todos os lugares que pude, que imponham sanções a Netanyahu e a membros de seu governo. Não peço para boicotar o teatro e o cinema israelenses, mas para boicotar os verdadeiros extremistas que agora estão sentados no governo e seus aliados.

Nos últimos meses, a senhora encorajou jovens israelenses a se recusarem a servir no Exército. O que fez a senhora tomar essa posição?

Percebemos, e isso levou tempo, que o protesto civil não estava conseguindo remover este governo democraticamente. E, enquanto isso, a guerra em Gaza está se tornando mais horrenda a cada dia. Netanyahu decidiu avançar e conquistar a Cidade de Gaza, e o Exército está obedecendo. Eu me senti inspirada por jovens que disseram que não voltariam a lutar em Gaza. Motivada pela coragem deles, fiz meu próprio apelo aos soldados israelenses para se recusarem a servir não no Exército —não conseguiríamos existir sem nosso Exército—, mas em Gaza.

Fala-se muito sobre como será o dia seguinte à guerra em Gaza, por causa da destruição em massa do território e pela questão da governança. A senhora pensa em como será o dia seguinte à guerra em Israel?

Supondo que tenhamos eleições honestas, sem fraude, minha esperança é que Netanyahu e todos os seus parceiros de coalizão sejam depostos e que um novo governo de centro e moderado possa emergir. Se as facções de Netanyahu continuarem governando esta terra, israelenses como eu não têm futuro aqui. E, obviamente, nem todos nós temos para onde ir. Não podemos transferir 5 ou 6 milhões de pessoas para outro lugar, ninguém nos aceitará. Então isso vai ser um desastre ou uma guerra civil.

Depois que um governo centrista moderado for eleito, ele deve fazer várias coisas ao mesmo tempo. Deve promover o processo em relação aos palestinos, sentar-se à mesa e seguir qualquer plano —o de Trump ou qualquer outro plano razoável— para uma solução de dois Estados.

Na esfera doméstica, a sociedade israelense precisa ser curada. E há duas coisas que precisam ser curadas, ambas muito feias. Uma delas é o aumento do ultranacionalismo e da extrema direita. Nós, israelenses, também precisamos ser desradicalizados —e temos que fazer isso nós mesmos, ninguém fará por nós.

Outro fenômeno que precisa ser curado é o que Netanyahu tem feito ao longo de seus muitos anos à frente do Estado, desde a década de 1990. Sua especialidade é dividir a nação em duas e apresentar seus rivais políticos como aqueles do lado errado do espectro político. Este não é o velho fascismo —o velho fascismo fingia unidade: “Estamos todos unidos, exceto alguns indivíduos, e é preciso prendê-los”. A extrema direita moderna não está fingindo unidade. Ela está demonizando a outra metade da nação, e isso terá que ser interrompido e curado antes que seja tarde demais.

Minha resposta ao plano de Trump é simples: se ele funcionar, apesar das objeções fervorosas dos fanáticos de ambos os lados, apesar dos obstáculos artificiais que serão colocados por belicistas de ambos os lados, é uma excelente oportunidade. Não apenas para Gaza, não apenas para Israel, mas para todo o Oriente Médio.


Raio-X | Fania Oz-Salzberger, 64

Professora emérita de história na Universidade de Haifa, é doutora em filosofia pela Universidade de Oxford e, em 2020, recebeu o título de doutora honoris causa na Universidade de Uppsala, na Suécia. Em 2012, escreveu com seu pai, o escritor Amós Oz, o livro “Os Judeus e as Palavras”, lançado no Brasil em 2015 pela Companhia das Letras.

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