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Abuso de expressões faz do debate político uma torre de babel – 05/10/2025 – Marcus Melo

Que o debate público está cada vez mais empobrecido, devido à polarização, é algo amplamente reconhecido. Em relação a questões como fascismo, democracia e golpes, o problema potencializa-se exponencialmente devido à inexistência de consensos sobre seus significados. A dificuldade já existe no seio da própria comunidade de cientistas políticos, mas é mitigada pelo reconhecimento das próprias divergências entre definições alternativas. O problema se exacerba no debate público pela ausência de vocabulário mínimo partilhado socialmente.

O problema não é trivial ou acadêmico. O problema é a transposição de conceitos entre domínios acadêmicos (da ciência política para o direito, e vice-versa). A definição do que é golpe de Estado, por exemplo, tem implicações sobre tipos penais e dosimetrias, ou sanções internacionais. A responsabilização política, por sua vez, nada tem a ver com responsabilização penal. Para não falar da confusão entre análises positivas de fenômenos e análises normativas ou jurisdicionais.

Na realidade, o problema não é novo. Karl Loewenstein em “Brazil under Vargas”, publicado em 1942 (dedicado a seu grande amigo Thomas Mann), concluiu sua análise em capítulo intitulado “Um Discurso sobre Terminologia Política: O Brasil é um estado fascista?”, afirmando que o regime era claramente autoritário mas não totalitário ou fascista: “Nada poderia estar mais longe da verdade do que a suposição de que o Brasil sob Vargas é totalitário, no sentido de sacrificar a esfera do indivíduo ao Estado Leviatã. A vida privada, o direito privado, a vida empresarial e a cultura não são afetadas pelo regime se não obstaculizam as políticas públicas”.

O autor de “Hitler’s Germany” (1939) , ele próprio perseguido pelo regime, sabia do que estava falando. Loewenstein foi o principal articulador intelectual da ideia de democracia militante e teve influência na elaboração da constituição alemã de 1949. Conhecedor da Itália de Mussolini afirmou “no exterior o Estado Novo é frequentemente chamado de fascista. Mais uma vez, um termo equivocado que precisa de correção.” E se perguntava, entre outras coisas, como um regime que não estava sequer assentado em um partido político poderia ser chamado de fascista? “Fascismo no papel” —algumas leis, reconhecia, mostravam a influência do fascismo— “não converte o regime em fascista”.

O mesmo vale para o conceito de golpe. Marsteinstredet e Malamud mostram que a explosão do uso da expressão “golpe” com adjetivos —golpe branco, golpe parlamentar— ocorreu em proporção inversa ao desaparecimento virtual de golpes de Estado no sentido clássico. O abuso tornou o conceito imprestável. Os dados do Illinois Data Bank para o período entre 1945 e 2024 mostram que os golpes —sobretudo os bem sucedidos praticamente desapareceram— caíram de medias anuais superiores a 11 para 1, entre 1975 e 2020, e se restringem ao continente africano.

O próprio uso da expressão é politicamente determinado, como revelou Kushima et al (2023) cobrindo todos os casos entre 1975 e 2014: golpe é a expressão utilizada por quem estava no poder; e revolução, movimento ou liberação por quem estava na oposição.


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