Mais nova integrante da lista de países europeus invadidos por drones misteriosos, a Alemanha acordou nesta sexta-feira (3) discutindo como resolver o problema. Seja a tiros seja mudando a Constituição.
Na véspera, o avistamento de aparelhos não tripulados na região do aeroporto de Munique provocou o fechamento do local e o cancelamento de 17 voos. Ao menos 3.000 passageiros não puderam embarcar. Camas de armar, cobertores e alimentação transformaram saguões em dormitórios. Tudo isso durante um feriado na Alemanha e nos dias finais da Oktoberfest, que atrai milhões à cidade e enfrentou uma ameaça de bomba neste ano.
A Polícia Federal foi acionada imediatamente, mas não encontrou vestígios de aparelhos ou operadores. Algo parecido se deu em uma unidade militar na Bélgica, em Elsenborn, na fronteira com a Alemanha, em que ao menos 15 drones foram detectados e sumiram também no fim da noite de quinta-feira (2). “É o primeiro incidente desse tipo que temos conhecimento”, declarou um porta-voz do Ministério da Defesa.
Os eventos repetem o roteiro vivido por Polônia, Noruega e Dinamarca nas últimas semanas, com caças acionados para derrubar artefatos, aeroportos temporariamente fechados, unidades militares expostas e uma certa dose de provocação. Copenhague se preparava para receber 47 líderes europeus para discutir a guerra da Ucrânia e a viabilidade de um muro antidrones nas fronteiras do bloco com a Rússia.
Nos dois dias do encontro, invasões de drones entendidas como ataques híbridos patrocinados por Moscou passaram de suspeita a certeza nos discursos.
Anfitriã, a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, declarou que Vladimir Putin “está testando” os europeus e que “não vai parar até que seja forçado a isso”. Na mesma quinta-feira, o presidente russo afirmou que a Europa vive uma “histeria militar”.
Markus Söder, ministro-presidente da Baviera, cargo equivalente a governador, demonstrou irritação com o problema em Munique, sua capital, e defendeu que a polícia deveria ter autorização para abater drones a tiros. “A partir de agora, deveria prevalecer o seguinte princípio: abater em vez de esperar. E isso de forma consistente. Nossa polícia deveria poder abater drones imediatamente”, declarou o político conservador ao tabloide Bild.
Ministro do Interior, Alexander Dobrindt foi mais técnico. “O avistamento de drones em Munique é mais um alerta. Precisamos de mais financiamento, incentivo e pesquisa, em nível nacional e europeu.” Não é tarefa fácil abater drones a céu aberto e, pelo menos na Alemanha, há implicações legais a serem superadas.
Escaldados por duas Guerras Mundiais e a ascensão do nazismo, os alemães mantêm na Constituição um papel estrito para suas Forças Armadas dentro do próprio país. Militares podem atuar em emergências nacionais, como desastres naturais, e apenas em 2006 a lista de situações previstas como tal passou a incluir ameaças terroristas.
Dobrindt quer apresentar um projeto ainda neste ano que amplia as capacidades da Bundeswehr, as Forças alemãs, para que ela se torne a principal autoridade na prevenção do problema. Atualmente, os militares só podem agir na jurisdição de bases militares, assim como apenas a Polícia Federal pode atuar em ferrovias, por exemplo.
Outra providência prometida pelo governo Friedrich Merz é criar um centro de defesa especializado em drones para coordenar os aspectos técnicos da empreitada. Outra tarefa complicada, pois é preciso enfrentar os altos custos envolvidos.
Derrubar drones com mísseis de caça, desenhados para derrubar estruturas muito maiores, é uma equação que não fecha em uma Europa que há meses discute um orçamento comum de defesa e está órfã da antes farta ajuda militar dos EUA na Otan. Há ainda a questão dos destroços, perigo potencial quando os aparelhos sobrevoam áreas habitadas.
A principal estratégia é copiar recursos desenvolvidos pela Ucrânia desde a invasão russa em 2022, inspiração do muro antidrones proposto por Ursula von der Leyen, chefe da UE, assim como investir em novas tecnologias. A Bundeswehr trabalha com bloqueadores de mísseis, interferência de GPS e faz testes com um sistema drone contra drone.
Já a Polícia Federal participa do desenvolvimento de um novo dispositivo, o Sky Wall 100, que lança uma rede no ar para capturar o drone e trazê-lo de volta ao solo com uma espécie de paraquedas. O método tem como vantagem preservar o aparelho para análise.
Dobrindt afirmou que pretende levantar a discussão sobre segurança aérea em um encontro que já estava programado para este sábado, em Munique, com seus pares europeus. O assunto original era imigração. A Europa vai trocando a ordem de seus receios.