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Metanol na bebida: risco explícito, confiança em colapso – 03/10/2025 – Deborah Bizarria

Uma morte já foi confirmada em São Paulo por intoxicação com metanol em bebidas adulteradas, e outras seguem em investigação. Três bares foram interditados, centenas de garrafas de gin, vodca e uísque sem procedência foram apreendidas.

O metanol é um solvente industrial, jamais poderia estar no circuito de consumo humano. A prioridade agora é identificar os responsáveis, punir e corrigir as falhas de fiscalização que permitiram que esse produto chegasse ao copo de consumidores. Mas enquanto as investigações avançam, o setor de bares e restaurantes enfrenta uma crise de confiança que atinge culpados e inocentes.

Quem comprou sem verificar a procedência assumiu risco e deve responder por isso. Mas bares que mantêm protocolos de compra também estão pagando o preço de uma suspeita generalizada. Alguns estabelecimentos não relacionados aos incidentes já publicaram notas oficiais em redes sociais para reforçar sua credibilidade, mas gestos isolados podem não ser suficientes para conter a desconfiança. O consumidor não tem como separar, no balcão, quem age com rigor de quem negligencia. Quando o risco é invisível, a desconfiança se espalha.

Afinal, do ponto de vista do cliente, o dilema é simples. Quem pede um drink não consegue testar o que está no copo. Na incerteza, a reação é recuar: melhor não arriscar. Essa retração penaliza todo o setor e quem depende dele para sobreviver, independentemente de quem adulterou. Para o consumidor, pouco importa a reputação passada do bar, o medo pesa mais.

A literatura ajuda a entender o que fazer nesse contexto. Em experimentos com consumidores, Dawar e Pillutla mostraram que reconhecer falhas e oferecer reparação reduz perdas de confiança. O silêncio, por outro lado, é interpretado como cumplicidade. Por isso, para bares e restaurantes, não basta dizer que não têm culpa. É preciso mostrar de onde vêm os insumos e quais controles são aplicados.

No setor automotivo, Rhee e Haunschild analisaram recalls de veículos nos Estados Unidos entre 1975 e 1999. Empresas de maior reputação sofriam quedas mais duras no início de uma crise, mas conseguiam se recuperar mais rápido quando adotavam transparência e medidas corretivas. A lição vale aqui: bares conhecidos podem ser os mais atingidos agora, mas têm melhores condições de se recuperar se reagirem com clareza.

Casos reais de contaminação reforçam esse padrão. Van Heerde, Helsen e Dekimpe estudaram a queda brusca nas vendas de sucos de maçã nos Estados Unidos após um surto de intoxicação. Publicidade e descontos não tiveram efeito. A retomada só veio quando a empresa apresentou laudos e protocolos de segurança. A mensagem é direta: slogans não restauram confiança, evidências de confiabilidade sim.

Mesmo quando se trata de intoxicação por metanol, o Brasil não é o primeiro a enfrentar o problema. Na República Tcheca, em 2012, mais de 40 pessoas morreram e centenas foram intoxicadas após consumir álcool adulterado, o que levou o governo a suspender temporariamente a venda de bebidas com alto teor alcoólico e endurecer a fiscalização. Em Irkutsk, na Rússia, em 2016, cerca de 70 pessoas morreram depois de ingerir uma loção de banho vendida como substituto de vodca, também adulterada com metanol. Em ambos os episódios, a recuperação do mercado só ocorreu com atuação firme do poder público e mecanismos claros de segurança.

O setor de distribuidores de bebidas, bares e restaurantes está diante de um teste. Os que adulteraram e os que compraram sem verificar precisam ser punidos. O Estado tem de corrigir as falhas de fiscalização que abriram espaço para a tragédia. Mas os bares também não podem apenas esperar. Em crises de confiança, silêncio se confunde com omissão. Cada garrafa adulterada foi uma roleta russa para o consumidor. Só práticas auditáveis podem devolver ao copo o que ele deve ser: bebida, não risco.


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