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Trump inventa plano para Gaza, e mundo finge acreditar – 30/09/2025 – Rui Tavares

Por um lado, a situação em Gaza é tão desesperadora que dá vontade de acreditar em qualquer nesga de uma solução, por rebuscada que seja. Por outro lado, não deixa de espantar ver líderes mundiais, em particular aqui na Europa, fazer de conta que existe um plano de Donald Trump para Gaza minimamente credível.

“Sim, por favor, qualquer coisa que pare com a matança”, diz o coração. A memória, desafortunadamente, tem obrigação de desconfiar.

O que Trump apresenta para Gaza assemelha-se aos esquemas mais insólitos do colonialismo do século 19, no tempo dos protetorados ou dos domínios pessoais. Que Gaza passe a ser ocupada por uma força internacional, gerida por um conselho de celebridades políticas, sob tutela do próprio Trump, sem condições claras para qualquer autogoverno por palestinos, já para não falar de calendário para vir a fazer parte do território da Palestina numa solução de dois Estados, e que uma parte do mundo ache que isto é um início de acordo, só nos indica como o século 21 vai ficando cada vez mais longe de qualquer relação com o sistema internacional herdado da Segunda Guerra Mundial. Estamos agora no puro domínio do arbitrário.

O que justificará a aparência de credibilidade emprestada a este plano, uma semana depois do discurso delirante de Trump na Assembleia-Geral das Nações Unidas? Cada ator tem uma motivação diferente. O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, gosta de se apresentar como se estivesse no comando da situação, e por isso comunica o plano como sendo israelo-americano, provavelmente à espera que no regresso ao seu país os seus parceiros de governo acabem por sabotá-lo.

Os líderes europeus evitam antagonizar Trump e pretendem talvez influenciar o plano, aproximando-o das propostas de franceses e sauditas para o envolvimento da Liga Árabe e para uma solução de dois Estados. Os palestinos esperam que a libertação dos seus prisioneiros possa ajudar a desbloquear a sua própria situação política. Por outro lado, a extrema direita israelense e o Hamas, que é o seu equivalente funcional, podem sempre preferir que o outro lado rejeite o plano antes de terem de ser eles a fazê-lo.

Crucial, como sempre, é a posição de Netanyahu. Para alguns, aquilo que Netanyahu mais quer é manter-se no poder e evitar ser julgado pelos tribunais do seu país, que poderão condená-lo por corrupção. Para outros, aquilo que Netanyahu mais quer é manter-se fiel à visão que o anima desde a sua juventude, de procurar por todos os meios impedir que os palestinos tenham o seu próprio Estado.

Para mim, aquilo que Netanyahu mais quer é evitar ter de escolher entre as duas opções anteriores. Por isso navegar o plano de Trump parece ser a forma mais viável de comprar tempo por agora.

A triste verdade é que este plano —se considerarmos que é verdadeiramente um plano, não um improviso— tem demasiados pontos frágeis e lacunas sobre a sua implementação ao longo do tempo. Em cada uma delas esconde-se uma hipótese de o fazer descarrilar. A exaustão pode levar-nos a querer acreditar em qualquer coisa que possa funcionar. Quem dera a crença bastasse.


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