Três décadas, cinco presidentes americanos e incontáveis diplomatas chegaram e se foram desde que Tony Blair enfrentou pela primeira vez o conflito israelense-palestino como um ambicioso, cosmopolita —e supremamente autoconfiante— novo primeiro-ministro britânico, em 1997. E aqui está ele novamente.
Blair, 72, emergiu como uma peça-chave no planejamento para a reconstrução e governança da Faixa de Gaza caso um acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas seja finalmente assinado, segundo autoridades israelenses e nos Estados Unidos familiarizadas com as discussões.
Um plano de ação pós-guerra para Gaza elaborado com a participação de Blair, um pilar da política de centro-esquerda, foi adotado pelo presidente Donald Trump e discutido em uma reunião na Casa Branca nesta segunda com o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu.
O projeto de Blair está refletido no plano, que prevê inclusive um “novo organismo internacional” para governar Gaza em caráter transitório.
De acordo com autoridades diplomáticas familiarizadas com a estruturação proposta por Blair, a Autoridade Transitória Internacional de Gaza seria composta por especialistas internacionais, funcionários da ONU e representantes palestinos e árabes. Essa autoridade supervisionaria um grupo de administradores e tecnocratas palestinos que seriam responsáveis pela gestão cotidiana da faixa.
O próprio Blair poderia ser escolhido para se tornar o primeiro líder da autoridade transitória internacional, que seria responsável por decisões estratégicas e diplomáticas e pela coordenação dos Estados árabes do Golfo que deverão financiar grande parte dos esforços para reconstrução.
Essa possibilidade causa consternação entre muitos palestinos, que lembram de Blair principalmente como coautor da Guerra do Iraque e que, ao longo de sua carreira, defendeu o lado de Israel.
O ressurgimento de Blair no centro das negociações sobre o Oriente Médio é um notável capítulo em seu histórico com a região. Ele lidou com o conflito como premiê britânico, enviado da ONU, consultor privado e mediador, recusando-se a abandonar uma luta que esgotou outros chefes de Estado e diplomatas.
“Ele sempre teve um canto do seu coração dedicado ao projeto inacabado de acalmar este conflito”, disse o ex-primeiro-ministro israelense Ehud Barak, que foi eleito no início do primeiro mandato de Blair, em uma entrevista no sábado (27). “É como se ele nunca tivesse saído.”
O reaparecimento de Blair no turbilhão dos diálogos sobre Gaza não é surpresa para aqueles que acompanharam sua carreira. Começando com seu papel nos acordos de 1998 que encerraram a violência sectária na Irlanda do Norte no início de seu mandato, o britânico abraçou os conflitos mais espinhosos, incluindo seu papel de reunir os aliados da Otan para uma intervenção militar no Kosovo um ano depois.
“Há uma forte vertente em sua personalidade, essa espécie de enorme confiança de que ele pode resolver os problemas mais difíceis do mundo”, disse o jornalista britânico e biógrafo de Blair, John Rentoul. “Ele conversará com qualquer pessoa. Um de seus pontos fortes é que ele é bastante pragmático em trabalhar com pessoas que seus amigos liberais odeiam, como Trump e Netanyahu.”
Blair ficou bem conhecido por todos os atores em Jerusalém e Ramallah, mas não universalmente amado. Para os apoiadores (e ele tem muitos em Israel), ele é um mediador confiável que poderia ser capaz de forçar Netanyahu a aceitar algumas condições —como o envolvimento palestino na administração de Gaza— que enfurecerão alguns israelenses.
“Os israelenses não podem facilmente engolir a ideia de que a Autoridade Palestina terá qualquer participação”, disse Barak. “Isso poderia ser modificado de alguma forma tendo alguém como Blair no meio. Eles o respeitam.”
Entre os palestinos, no entanto, a reputação de Blair é muito mais controversa. Ele manteve a posição tradicional britânica de apoio inabalável a Israel, mas pedindo um acordo permanente para o conflito que prevê uma Palestina independente existindo ao lado de um Israel seguro.
Mas críticos palestinos dizem que ele pendeu de forma consistente para Israel e que seus muitos anos de atenção à questão fizeram pouco para avançar a solução de dois Estados que ele defendia. Ele se recusou a fazer o que o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, fez na semana passada ao reconhecer formalmente os territórios palestinos como um Estado soberano.
Para muitos, a ideia de Blair sobre ascender a qualquer tipo de cargo de governador em Gaza irrita, especialmente dado seu papel no lançamento da invasão do Iraque em 2003 com o presidente George W. Bush, baseada em relatórios falsos sobre armas iraquianas de destruição em massa.
O papel histórico do Reino Unido na administração da região nos anos que antecederam a formação de Israel também não ajuda. “Já estivemos sob o colonialismo britânico”, disse Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina. “Ele tem uma reputação negativa aqui. Se você mencionar Tony Blair, a primeira coisa que as pessoas mencionam é a Guerra do Iraque.”
Um diplomata familiarizado com a abordagem de Blair disse que autoridades da Autoridade Palestina “se envolveram” com suas propostas. Mas Mahmoud Habbash, um conselheiro sênior do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, disse que ninguém consultou o órgão.
“Não precisamos de outro representante”, disse Habbash. “O único lado capaz de administrar Gaza é um governo palestino e nada mais.”
O gabinete de Netanyahu recusou-se a comentar sobre as propostas de Blair. Mas uma autoridade israelense familiarizada com as discussões disse que as ideias ganharam força dentro do círculo íntimo do premiê israelense.
Blair tem promovido muitas ideias sobre o conflito desde o início da guerra, que começou após o Hamas atacar cidades israelenses em 7 de outubro de 2023. Sabe-se que ele consultou com frequência o genro de Trump, Jared Kushner, um interlocutor-chave tanto com o principal conselheiro de Netanyahu, Ron Dermer, quanto com os líderes da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.
Qualquer que seja a futura posição de Blair, junto com outras disposições-chave, ainda precisa ser definida, de acordo com um diplomata na região familiarizado com discussões recentes.
Um dos maiores pontos de discórdia continua sendo qual papel a Autoridade Palestina desempenhará em Gaza uma vez que o Hamas esteja fora do poder. Netanyahu insistiu que a autoridade não desempenhe nenhum papel, enquanto Abbas se opôs a qualquer autoridade governante não palestina no território.
Mas o plano de Blair estipula explicitamente que nenhum habitante de Gaza será obrigado a deixar a Faixa e que o objetivo final de uma autoridade transitória é transferir o poder para uma Autoridade Palestina “reformada e fortalecida” como parte de um Estado palestino independente.
Blair jogou o peso de seu mandato de premiê no processo de paz quase imediatamente após assumir o cargo, alinhando-se com as negociações de Oslo em andamento e depois apoiando as conversas com o líder da OLP, Yasser Arafat, mediadas pelo presidente Bill Clinton em Camp David.
Alguns anos depois, ele foi creditado por incentivar um relutante Bush a propor um cronograma para a criação de um Estado palestino que não foi adiante.
Desde então, seu instituto permaneceu ativo em toda a região, trabalhando pela paz, segundo seus apoiadores, ou pelo lucro, como diriam seus críticos.
“Eu pensei que ele já teria desistido de tudo isso a esta altura”, disse o biógrafo John Rentoul. “Mas ele não desistiu da ideia de que pode resolver coisas que ninguém mais consegue.”