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Wilma Martins ganha exposição póstuma em São Paulo – 28/09/2025 – Ilustrada

Um tanque de lavar roupa com água transbordando, uma pia abarrotada de louça, um amontoado de livros num canto qualquer da casa. Cenas cotidianas aparecem esbranquiçadas, revisitando o gênero da natureza morta —não fossem as paisagens fantasiosas que surgem nas pinturas, com morsas nadando sobre a pia e felinos espreitando sobre tanques.

Em “Territórios Interiores”, exposição de Wilma Martins na galeria Galatea, em São Paulo, a artista versa sobre pintura e fantasia em meio à banalidade da vida comum.

Mineira, formada na Escola Guignard, Martins morreu em 2022, aos 86 anos, deixando uma produção marcada pelo trânsito entre gravura e pintura, sempre num registro peculiar, avesso a correntes estéticas dominantes. Seu ciclo mais célebre, a série “Cotidiano”, feita entre 1974 e 1984, ocupa agora a Galatea.

“É raro ver tantas obras dessa série juntas. Dá para perceber o desenvolvimento técnico, especialmente no uso dos cinzas, que vão ganhando sutilezas ao longo do tempo”, afirma a curadora Fernanda Morse, que assina o texto crítico da mostra.

As telas de Martins partem de objetos reais —a escrivaninha, a estante de livros, a pia—, mas não se limitam ao registro observacional. A artista inseria elementos inesperados, deslocando a cena para um campo onírico. “Ela mesma dizia que, se tinha uma louça para lavar, colocava uma foca na pia. É um gesto lúdico, quase infantil, que abre fissuras de imaginação dentro da rotina do espaço da casa”, afirma Morse.

Neste sentido, os animais que surgem nas pinturas de Martins —como camelos, morsas e búfalos— reforçam o caráter imaginativo das cenas. Ao introduzir bichos que não existem no Brasil, a artista cria uma ponte entre o banal e o fantástico.

A estratégia, que dialoga com a linguagem da ilustração —com a qual Martins trabalhou nos anos 1980, em livros de autores como Ana Maria Machado—, aproxima sua obra de um universo imaginativo sem perder o rigor técnico.

Por outro lado, as telas também podem ser lidas à luz das discussões feministas da época. Enquanto muitas artistas exploravam o corpo e a liberdade sexual de forma combativa, Martints tensionava o lar como espaço de ambivalência —ao mesmo tempo poético e aprisionador.

“Ela dizia: talvez um homem não consiga ver a casa como eu vejo. E isso tem dois lados —o da poesia e o da prisão. A obra subverte esse espaço íntimo de maneira silenciosa”, afirma Morse.

Tal abordagem a distingue de contemporâneas como Wanda Pimentel, que pintava interiores eróticos e sensualizados. Para Martins, não há corpos, mas bichos que invadem a cena, instaurando outra lógica.

Embora discreta e avessa à vida pública —passou quase 30 anos sem expor individualmente—, Martins teve intensa circulação nos anos 1970 e 1980. Seu retorno ao circuito se deu com a retrospectiva organizada por Frederico Morais em 2013, no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, e foi consolidado com sua participação na 32ª Bienal de São Paulo, em 2016.

Na Galatea, as pinturas ressurgem num contexto em que o interesse pela produção de artistas mulheres se expande. “Wilma é um caso difícil de enquadrar”, diz Morse. “Ela dialoga com o surrealismo, com a tradição da paisagem, com a crítica ao espaço doméstico, mas sempre de um jeito muito próprio. É uma obra que fala por si.”

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