A terceira ligação do ano entre Xi Jinping e Donald Trump, realizada nesta sexta-feira (19), foi apresentada como pragmática e produtiva, mas a falta de detalhes concretos indica que o gesto foi menos um avanço substancial e mais uma encenação para conter volatilidades numa relação marcada por desconfiança.
O centro imediato da conversa foi o futuro do TikTok, convertido em símbolo da disputa tecnológica entre as duas maiores economias do mundo, e o telefonema funcionou também como prenúncio de novas rodadas em comércio, segurança e influência.
Trump apressou-se em afirmar que o acordo está encaminhado, embora tenha evitado responder à questão essencial sobre quem controlará o algoritmo que dá tração global ao aplicativo.
Essa hesitação é crucial, porque o código do TikTok representa para os Estados Unidos uma linha de defesa de soberania informacional, enquanto para a China significa preservar uma tecnologia sensível que Pequim não pretende ceder sob pressão. Assim, cada lado apresenta ao público interno uma vitória parcial, mas o impasse permanece no ponto que decide poder e reputação.
A negociação precisa ser lida como parte de uma disputa mais ampla que combina controle de dados, padrão tecnológico e capacidade de definir regras. Para Washington, vale demonstrar que é possível impor limites a uma empresa chinesa sem assumir o custo político de banir um aplicativo usado por 170 milhões de pessoas. Para Pequim, trata-se de provar que consegue resistir a exigências consideradas humilhantes e manter protagonismo na economia digital. O que nasceu como plataforma de vídeos curtos tornou-se metáfora da interdependência conflituosa e do esforço de ambos para dominar cadeias críticas de informação.
A ligação ocorreu em paralelo a reuniões em Madri que expuseram a distância entre as agendas e a busca de um roteiro mínimo de previsibilidade. A Casa Branca quer reduzir déficit, ampliar acesso ao mercado chinês e conter insumos ligados ao fentanil. Pequim quer aliviar sanções, reduzir barreiras tecnológicas e assegurar espaço a suas empresas no mercado americano. Enquanto negociadores burilam cláusulas, os líderes ajustam mensagens para consumo doméstico.
Esse teatro diplomático tem efeitos imediatos sobre terceiros. O Brasil observa com atenção a possibilidade de que o pacote inclua compras volumosas de produtos agrícolas americanos.
Segundo o South China Morning Post, o desenho em discussão envolve soja e outros bens do agronegócio como moeda de troca para viabilizar uma visita de Trump a Pequim, o que pode deslocar parte da demanda hoje atendida por exportadores brasileiros e pressionar preços internacionais no curto prazo. O risco não está apenas no volume, mas na sinalização de preferência que altera expectativas e redesenha contratos futuros.
A experiência recente recomenda cautela e planejamento. Durante a guerra comercial do primeiro mandato de Trump, o Brasil ganhou espaço na China com a trava aplicada à soja americana e colheu ganhos significativos, consolidando sua posição como maior exportador mundial da oleaginosa. Agora o pêndulo pode oscilar no sentido inverso e exigir resposta coordenada de governo e setor.
Se Washington e Pequim decidirem precificar uma trégua digital com navios carregados de grãos, o impacto recairá sobre margens, câmbio e logística. Na era em que tecnologia e diplomacia se imbricam, até um aplicativo de vídeos é capaz de mover preços, deslocar rotas e testar a resiliência do agronegócio brasileiro.
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