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Como mullet, polêmico corte de cabelo, viveu ressurreição – 26/09/2025 – Ilustrada

Poucos cortes de cabelo viveram uma trajetória tão dramática, controversa e resistente quanto o mullet. Além dele, da careca e do “comb-over“, truque de quem perde o cabelo no cocuruto e deixa um dos lados bem comprido para pentear por sobre a cabeça, não me lembro de cortes masculinos tão marcantes.

O mullet, entretanto, é inesquecível, para a desgraça de muitos álbuns de fotos de quem buscava se expressar pelo topete nos anos 1980. Curto na frente, mais curto ainda do lado e longo atrás, foi símbolo do excesso pop dos anos 1980, piada global e, agora, provocam quase um desmaio coletivo em quem levou décadas para superar o look.

No Festival de Cinema de Veneza, encerrado no começo do mês, sua ressurreição foi inegável. Os lindos, charmosos e muito trendsetters Jacob Elordi e Oscar Isaac desceram de seus barquinhos na ilha do Lido com diferentes versões do mullet, deixando claro que a opção não era fruto de gosto exótico, mas sim do retorno inegável deste esqueleto no armário de quem já estava alerta no século passado.

Que essa volta tenha acontecido em Veneza parece até poético. Como qualquer festival de cinema em cujo tapete vermelho desfilam as pessoas mais lindas e famosas de uma indústria que trata muito bem os seus lindos e famosos, os festivais são sempre um farol tanto de moda e beleza quanto de cinema.

Veneza é um palco para cineastas apresentarem sua arte, mas também para atores se destacarem como ícones fashion. E, neste ano, entre vestidos de alta-costura e smokings desconstruídos, foi um corte de cabelo masculino que deixou a pegada mais marcante.

O mullet não surgiu como uma piada. Sua origem parece remontar à Grécia antiga, quando guerreiros usavam o cabelo longo atrás para proteger a nuca do sol, mas mantinham a frente e a lateral mais curta para ter visibilidade nos combates.

Cortes semelhantes aparecem em livros de história entre os hunos, povo antigo da Ásia Central, e em representações de povos nativos americanos, em que o cabelo tinha funções de proteção, intimidação e identidade cultural. O equilíbrio entre praticidade e estilo foi surgindo e desaparecendo ao longo dos séculos, mas nunca sumiu por completo. Muito menos ganhou um nome.

Nos anos 1970 o mullet moderno chegou aos holofotes quando David Bowie estreou sua versão alienígena andrógino Ziggy Stardust, com um mullet vermelho teatral e impossível de ignorar. Nos Estados Unidos, músicos country o adotaram quase imediatamente, levando a sério o que poderia ter sido uma brincadeira. Billy Ray Cyrus, o pai de Miley, tornou-se o embaixador eterno do corte infame e o transformou em símbolo da rebeldia da classe trabalhadora.

Mas foi na década seguinte que o mullet viveu sua era de ouro, quando saiu da contracultura e chegou ao mainstream, na cabeça de gente como Prince, Bono e Paul McCartney. No esporte, o tenista Andre Agassi incrementou o corte com descoloramento, para complementar seu look extravagante de roupas coloridíssimas.

Os jogadores de hóquei, por sua vez, usavam como se fosse um uniforme obrigatório. Na Austrália, onde, aliás, ele nunca saiu de cena, ficou tão ligado à cultura esportiva e aos pubs que ganhou apelido próprio: “bogan cut”. O mullet era mais que um cabelo; era um estilo de vida, tinha até slogan: “negócios na frente, festa atrás.”

O dicionário Merriam-Webster registra a origem da palavra como o inglês antigo “molet/mulett”, via francês arcaico “mulet” (vermelho), vinda por sua vez do latim “mullus” (um peixe vermelho), derivado do grego “mýllos” (nome de um peixe).

A moda, no entanto, não gosta de continuidade e sim de novidade. E nos anos 1990 o mullet virou chacota. Quem ainda usava o fazia por falta de noção ou por cafonice. Até o slogan que antes o celebrava virou piada. Em 1994, o duo de rap Beastie Boys consolidou-o como motivo de piada na música “Mullet Head”.

Mas o mullet nunca morreu. Na Austrália, assim como na América Latina, o mullet resistiu, quase como uma forma desafiadora de declarar que o dono daquela cabeça não era uma vítima da moda, mas autor do próprio estilo.

Aí, pronto, novo século, novo milênio, e nada aconteceu como o previsto. Surgiu o K-pop e com ele voltou o malfadado, com estrelas como G-Dragon e Taemin e seus mullets futuristas, que, como o fenômeno em si, chegou chegando. O rebranding coreano foi crucial para torná-lo cool novamente.

No fim da década passada, por uma nostalgia somada a uma pitada de ironia, Miley Cyrus assumiu o legado do pai com um mullet mais punk, e Rihanna também passeou pelo visual. Jogadores de beisebol dos EUA ressuscitaram o mullet raiz, exagerado, meio por deboche. A alta-costura veio atrás, com modelos andando com versões propositalmente desalinhadas nas passarelas.

No começo do ano, enquanto o Brasil todo se unia na torcida por Fernanda Torres como melhor atriz dramática no Globo de Ouro, prêmio que ela levou, talvez a emoção coletiva tenha sido tamanha que ninguém notou o cabelo penteado levemente a la mullet, com as laterais grudadas na cabeça e o resto soltinho, volumoso. Ficou bonito.

E aí Veneza, agosto de 2025. Logo no começo do festival Paul Mescal, ousado, exibiu um corte totalmente “rugby-boy”, parecia mais um projeto arquitetônico que um corte de cabelo. Mas uma andorinha só, você sabe. Era cedo para cravar a volta do mullet. Ela aconteceu com um golpe duplo, na estreia de “Frankenstein”, de Guillermo Del Toro, um dos mais esperados deste ano, com Oscar Isaac como o médico maluco e Jacob Elordi como sua criatura.

E os dois chegaram com seus mini-mullets, adornando os rostos perfeitos e os corpos elegantes. Não tinha mais como negar, nem rezar que fosse tudo ilusão, o mullet estava de volta.

O novo mullet não é tão rígido quanto já foi, aliás, é o bagunçadinho do corte que parece atrair quem está em busca de um cabelo prático, mas meio sexy, divertido. Fora que pentear a franja para a frente é um movimento muito desejável para quem já está em guerra com as entradas nas laterais superiores da testa.

O mullet também serve como ferramenta para a atual redefinição da masculinidade, tão atacada ultimamente que o visual menos chamativo possível parecia a melhor opção. Agora, talvez, não mais. Afinal, na moda, assim como na vida, nada se cria, tudo se interpreta.

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