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Falta ‘letramento evangélico’ para Lula – 24/09/2025 – Poder

Na semana passada, o presidente Lula (PT) foi a um podcast cristão e fez um alerta: Deus tá vendo. “De vez em quando fico sabendo que algum pastor falou alguma coisa, falou que o Lula fechou igrejas, que o Lula não sei das contas. A minha crença é que Deus tá em todo lugar e tá vendo quem está mentindo e quem tá falando a verdade.”

É sabido que Lula está em maus lençóis com o segmento. O azedume de evangélicos com ele é uma constante nesse terceiro mandato. Basta resgatar pesquisa Datafolha de setembro, que lhe dava 62% de desaprovação entre os crentes. O índice geral é 48%.

O governo entendeu que precisa reconstruir pontes dinamitadas com as igrejas —vale sempre lembrar que muitas fizeram campanha para Lula e Dilma Rousseff (PT) no passado, até se bolsonarizarem nos últimos anos. A questão é: como?

O presidente recebeu no Palácio da Alvorada, de braços dados com a primeira-dama, a socióloga Janja, o “Papo de Crente”. O programa é apresentado pelo pastor Marco Davi, autor de “A Religião Mais Negra do Brasil —Por que os Negros Fazem Opção pelo Pentecostalismo”, e por Eulália Lemos. É uma turma ligada à progressista Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. Parte de um microcosmo evangélico.

Lula pregava para os poucos convertidos que abertamente rechaçam Jair Bolsonaro (PL) e tudo o que ele representa. Os entrevistadores não estavam ali para colocar o petista contra a parede. A missão era outra: dar-lhe espaço e garantir que a mensagem chegasse inteira ao público que precisava ouvir. E tudo bem —não era jornalismo em modo sabatina, mas militância, fazendo seu trabalho na rinha política.

Não por acaso Eulália, ao evocar duas políticas públicas de alta voltagem eleitoral, levanta para a primeira-dama cortar: “A Bíblia diz, Janja, que o generoso será abençoado porque reparte o seu pão com o pobre. Nós queremos saber sobre as cozinhas comunitárias sustentáveis e o Gás do Povo”.

A Lula também foi dada a oportunidade para reprisar um discurso que virou carta na manga para justificar por que é difícil vê-lo em templos. “A minha relação com a igreja é essa, é a relação verdadeira. Não tem mentira, não tem uso eleitoral das igrejas, não tem uso eleitoral da religião. Eu jamais me permitiria utilizar a religião, sabe, como política.”

É verdade que há certa fadiga, entre fiéis, com a politização dos cultos pela direita bolsonarista. A insistência em transformar púlpito em palanque dá sinais de desgaste, mesmo se a maioria ali simpatiza com a agenda conservadora. O frenesi por Bolsonaro já foi maior em megaeventos como a Marcha para Jesus.

Não significa que a esquerda saiba capitalizar em cima disso. Ainda persiste a impressão, no evangélico médio, de que a elite intelectual progressista tem ranço com ele e seus irmãos de fé. A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) sintetizou esse mal-estar quando, em entrevista à revista TPM anos atrás, contou já ter ouvido de amigos algo na linha: “Achava você tão inteligente, como pode ser da Assembleia de Deus?”.

Como se o evangélico fosse sinônimo de atraso civilizacional: ou é um coitadinho inapto a exercer autonomia sobre o que crê, ou um pastor guloso por dízimos, sem fé verdadeira. Essa leitura ignora trajetórias de vida e práticas comunitárias complexas, reduzindo fiéis a dois estereótipos rasos: o ingênuo e o explorador. Deve irritar.

Lula há muito mostra que saca essa dinâmica. Após sua derrota para Fernando Collor, em 1989, diagnosticou que o PT pouco fez para extirpar a fake news de que fecharia igrejas evangélicas se vencesse (sim, ela já existia, mas na época diziam que o faria por ser chapa dos católicos, e não queria dar brecha para o povo crente crescer).

O petista avaliou na ocasião que deveria ter acenado mais aos religiosos. “Certas coisas nós discutíamos a partir da cabeça do pessoal politizado.” Faltou ouvir o povo.

No recente “Apocalipse nos Trópicos”, ao ser entrevistado pela documentarista Petra Costa, ele expôs sua tese “de que o que levou o socialismo ao fracasso foi a negação da religião”. Lula está ligado.

Corta para 2025, e o petista não parece conseguir acertar o tom para dialogar com evangélicos. Não é um juízo de valor sobre sua fala contra o uso político das igrejas, se tem mérito ou não. Apenas a constatação de que ela não tem surtido efeito, e seus números de aprovação continuam em baixa nesse bloco cristão.

A limitação é simbólica: ele fala a língua da política, mas não a da fé que organiza a vida de milhões de brasileiros. E seus adversários ocuparam esse espaço com mais consistência.

Lula é pintado como alguém que nunca teve relação orgânica com o campo. Seu DNA partidário vem de sindicatos, intelectuais e catolicismo progressista, via Teologia da Libertação. Encarna valores seculares que oponentes enquadram como antagônicos à moral religiosa, do aborto à diversidade sexual.

Há uma construção narrativa, calcificada no imaginário de muitas igrejas, de que é um inimigo dos cristãos.

Na parte pragmática, falta a seu governo canais sólidos com líderes evangélicos de quilate nacional, algo que tinha em mandatos prévios. A polarização as implodiu. Tampouco é bem-sucedido em ir direto à base evangélica. Quando acena a ela, o faz via intermediários isolados e sem muito alcance no meio. Não a partir de uma estratégia contínua.

Essa base, que é sobretudo negra, pobre e feminina, compartilha preocupações centrais do lulismo —como trabalho, renda e combate à fome. Mas não basta. A esquerda não erra ao trazer questões materiais, mas soa incompleta se descarta valores religiosos. Isso quando não debocha deles.

Para usar um jargão progressista, ainda falta letramento evangélico para conversar com as periferias brasileiras. Aí o papo reto não vira papo de crente. A oposição agradece.

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