Seguindo uma tradição que mantenho neste espaço, usarei as últimas colunas de dezembro para projetar as principais tendências no que tange à China para o ano seguinte.
Nesta semana, analiso os macrotemas geopolíticos para na semana que vem tratar dos temas domésticos na agenda de Pequim. É, claro, um exercício perigoso de futurologia que nem sempre acerta, mas que ajuda a balizar a atenção acerca do que é preciso acompanhar com mais cuidado.
2026 tende a ser menos um ano de viradas abruptas e mais o momento em que se cristaliza uma leitura estratégica amadurecida ao longo da última década. Em Pequim, consolidou-se a convicção de que o ambiente internacional deixou de ser apenas competitivo para se tornar estruturalmente hostil. A expectativa de um retorno à globalização liberal pré-2018, ainda presente em parte da elite chinesa até poucos anos atrás, foi definitivamente abandonada.
A resposta a esse diagnóstico não é o isolamento, mas a construção deliberada de uma arquitetura paralela de inserção internacional. A ênfase crescente na autossuficiência tecnológica deve ser lida menos como um projeto econômico convencional e mais como um imperativo de segurança nacional. A prioridade central é reduzir vulnerabilidades críticas e neutralizar instrumentos de coerção externa, ainda que isso implique aceitar custos e ineficiências no curto prazo.
Nesse contexto, o relacionamento com os Estados Unidos continuará sendo o principal eixo estruturante da política externa. Em 2026, a dinâmica bilateral tende a se estabilizar em um padrão de atrito prolongado, marcado por um desacoplamento seletivo e assimétrico.
Pequim aceita a continuidade do comércio em setores menos sensíveis, mas se prepara para uma disputa tecnológica duradoura, na qual tarifas, controles de exportação e medidas regulatórias passam a ser ferramentas permanentes. O objetivo já não é mais gerir uma “competição estratégica”, mas administrar uma rivalidade sistêmica, na qual concessões pontuais não alteram o panorama de desconfiança mútua.
A relação com a Europa seguirá uma lógica mais ambígua. Bruxelas insiste no discurso da “redução de riscos”, mas enfrenta limites impostos pela fragmentação política interna e pela dependência econômica de setores-chave em relação ao mercado chinês. Essa tensão entre retórica e realidade abre espaço para uma diplomacia chinesa pragmática, que explora divergências nacionais dentro da União Europeia e transforma incoerência estratégica em vantagem.
É, contudo, no Sul Global que se desenha a dimensão mais transformadora da estratégia chinesa. África, América Latina e partes da Ásia deixam de ocupar um papel periférico e passam a ser centrais na projeção de poder. Ao combinar financiamento, infraestrutura e coordenação política, a China tem tentado se apresentar como alternativa a uma ordem que muitos desses países percebem como esgotada.
No campo da segurança, o risco maior não reside em conflitos abertos, mas na proliferação de zonas cinzentas. Do mar do Sul da China ao estreito de Taiwan, a estratégia chinesa privilegia pressões graduais e o uso de instrumentos administrativos ou econômicos para impor fatos consumados.
Mais do que um ano de rupturas espetaculares, 2026 tende a marcar a normalização de um mundo em que a China já não busca se adaptar à ordem existente, mas moldá-la segundo seus próprios interesses. Ignorar essa transição, ou subestimá-la, será um erro estratégico difícil de corrigir.
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