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Psica conecta samba, rap e brega sob ótica do Pará – 15/12/2025 – Ilustrada

Em certa altura da noite de sábado, o ícone do brega paraense Wanderley Andrade estava extasiado em seu show no festival Psica. Subiu em cima de um banheiro químico no estádio Mangueirão, em Belém, de onde emendou covers de Bon Jovi e Creedence Clearwater Revival mais preocupado em pronunciar o som das palavras em inglês do que dizê-las da maneira correta.

O show revelou como o humor, a megalomania e, principalmente, a maneira como Andrade deglute a música que vem de fora do Pará, casam com a proposta do Psica. Nesta edição de 2025, o festival manteve a abordagem única de conectar atrações, não por estilos musicais ou bolhas de comportamento, mas pelo território —ou seja, como a música é consumida em Belém.

Isso significa que o mainstream convive em pé de igualdade com sons periféricos, assim como medalhões dividem espaço com novatos. No sábado, Andrade, que viveu seu auge entre as décadas de 1990 e 2000 com o calipso, cantou após o reggaeman baiano Edson Gomes, que despontou nos anos 1980, e antes de Martinho da Vila, sambista que surgiu nos anos 1960. Quem fechou a noite foram Marina Sena, sensação do pop atual, e a aparelhagem Rubi.

O Psica chegou à sua 12ª edição como patrimônio cultural imaterial da cidade de Belém, título que recebeu há poucos dias. Reunindo mais de 100 mil pessoas em três dias, sendo dois com ingressos no Mangueirão e outro gratuito no bairro Cidade Velha, o festival funciona como ponte musical entre a

capital paraense e o resto do país.

Isso acontece não só porque o evento atrai turistas, mas porque exibe a cultura local a quem vem de fora com a mesma importância que dá às grandes atrações de outras regiões. É uma via de mão dupla, já que para os paraenses é a chance de ver artistas que se apresentam pouco na região Norte.

Foi um ano com mais contratempos do que os anteriores. Principal atração do dia gratuito, a sexta-feira, a rainha do tecnomelody Viviane Batidão cancelou o show por não conseguir voar até Belém após problemas nos voos gerados pelo ciclone no país.

Edson Gomes, no sábado, gastou minutos se queixando de seu retorno e desferindo críticas à banda. Algo parecido aconteceu com Marina Sena, que reiniciou duas músicas após defeitos nos equipamentos. Nos dois casos, o público não se queixou e até aproveitou para fazer festa durante a pausa.

Sena fez uma apresentação de gala para um público ansioso para vê-la. A mineira mostrou que sua obra ressoa no Norte do país com o show do disco “Coisas Naturais”, lançado neste ano. O álbum cresceu ao vivo com uma banda encorpada, arranjos de sopro e seus vocais agudos e cintilantes que são uma marca registrada.

A artista passeou pelos seus três discos, como na sequência “Numa Ilha”, do mais recente, “Me Toca”, do primeiro, e “Que Tal”, do segundo. “Desmitificar” veio com uma batucada apocalíptica que seguiu abrilhantando o funk “Carnaval”, e ela encantou cantando “Voltei pra Mim” e “Anjo” sentada, somente acompanhada por um violão.

No dia seguinte, BK e Mano Brown deram protagonismo ao rap com shows que destacaram samples e a pesquisa musical característica do gênero. O carioca mostrou a apresentação do disco “Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer”, deste ano, e recebeu a cantora Evinha para engrossar o caldo nas duas músicas do álbum em que ele a sampleia.

O show de Mano Brown, o “MB10″, misturou faixas de seu álbum solo —”Boogie Naipe”, de 2016

—, e clássicos dos Racionais MCs. Acompanhado por DJ, backing vocals e dançarinos, ele comoveu o

Mangueirão com petardos do grupo, como a sequência das duas partes de “Vida Loka” na reta final.

Foi também um ano de destaque para o samba no Psica. Jorge Aragão evocou o maior karaokê coletivo do festival ao entoar o que chamou no palco de “sambinhas antigos”. Ele levou tudo com seu vocal hoje grave e conciso. Dedicou “Vou Festejar”, ápice do show, aos torcedores do Flamengo, seu time do coração.

No sábado, Martinho da Vila disse que gosta de tudo devagar para justificar o andamento arrastado da maioria das performances. Ele ganhou a plateia contando histórias e malandreando seu caminho através de partidos altos que atravessam gerações. Músicas do disco cinquentão “Canta Canta, Minha Gente” como “Renascer das Cinzas”, a faixa-título e “Disritmia” foram destaque, com “Festa de Umbanda” transformando o Mangueirão em terreiro na reta final.

O dia gratuito também teve emoções à flor da pele com Luedji Luna. De branco, a cantora tocou as músicas dos álbuns “Antes que a Terra Acabe” e “Um Mar pra Cada Um”, ambos deste ano, e fez um discurso profundo ao dedicar a música “Joia” à amiga Joyce Prado, cineasta que morreu dois dias antes aos 38 anos.

As aparelhagens encerraram todos os dias não por acaso —são elas que amarram tudo no Psica. Idealizado e administrado pelos irmãos Jeft e Gerson Dias, criados por um pai que vendia CDs e convivia com os festivais de música da periferia de Belém, o evento mostra como a música é consumida a partir do Norte —algo que se conecta com as aparelhagens.

Apesar de suas particularidades, Carabao, Rubi e Crocodilo mostraram a mesma dinâmica fluida, frenética e picotada de quem vai de um rock doido sampleando funk a uma sequência de carimbós ou de músicas juninas de dançar quadrilha. Velho e novo, daqui ou de lá, tudo isso acaba diluído e misturado no ritmo dos DJs em cima das estruturas que imaginam um futurismo na periferia do mundo. É como o próprio Psica, o festival que melhor incorpora a cultura sonora de um território.

O jornalista viajou a convite do Boticário

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