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Andréa del Fuego relança Nego Tudo, de contos curtíssimos – 13/12/2025 – Ilustrada

Olá, você teria um minuto para ouvir a palavra da ficção súbita? Um minutinho mesmo, talvez até menos. Esse tipo de literatura, afinal, pode tomar menos caracteres do que um post em rede social —e dizer muito mais. Andréa del Fuego é apaixonada por ele.

“Nego Tudo” explora esse formato que ainda carece de rótulo definitivo. Alguns chamam de microficção, outros de microconto. Del Fuego gosta de uma das definições adotadas por uma craque no molde, a escritora argentina Ana Maria Shua: ficção súbita, que bebe do inglês “sudden fiction”.

E lá se foi ela também a se aventurar por essa narrativa curta, que traduziria também como “um binóculo, um comentário no elevador que despenca, a fotografia de um impasse e os amores de estufa”.

O livro é, originalmente, de 2005. A Flip tinha só dois anos, e ainda não havia tanto auê sobre a produção contemporânea —a internet ia impulsionando esse movimento com blogs e outras formas de expressão mais imediatas do que um livro de papel.

Del Fuego publicou uma edição artesanal de “Nego Tudo”, com 107 cópias, mais para os amigos mesmo. Lançou o livro na Mercearia São Pedro, magneto de escritores em São Paulo que fechou no ano passado. A nova versão, 20 anos depois, ganha novas narrativas curtíssimas e reescreve outras.

Podem durar uma linha —”qualquer homem que veio depois, não veio” ou “escrever fragmentos de propósito”. No máximo se espicham por quatro páginas de um livro que, na versão física, já é menor do que um exemplar padrão.

Del Fuego sabe que, até mais agora, a associação imediata é com o consumo literário a jato, calibrado para um público cada vez mais disperso, adestrado pela rolagem infinita do conteúdo nas redes sociais.

Pesquisas se acumulam mostrando que nosso foco anda rarefeito. A economia da atenção é isso: uma guerra constante por engajamento num tempo sobrecarregado de informações. Quando foi a última vez que você viu um filme ou leu um livro sem checar o celular? Pois é.

Esse tamanho de texto, diz, “favorece esse novo regime de atenção, mas, ao mesmo tempo, não tem a velocidade de um scroll”, que é o ato de mover para cima ou para baixo o conteúdo exibido em uma tela.

A ficção súbita dança em outro compasso. “A Ana Maria Shua sugere que essa leitura acaba ficando mais densa, porque são como atmosferas”, diz a autora. “Quando você entra e sai de uma atmosfera tão rápido, tem um jet lag de leitura. O texto é rápido, mas a leitura é mais lenta. É contraditório.”

Del Fuego não embarcou sozinha nessa onda. Adriana Lisboa publicou no mesmo 2005 seu “Caligrafias”, de micronarrativas em prosa e poesia, que relança neste ano pela Maralto Edições. Em 2004, Natércia Pontes já havia passeado pelo formato em “Az Mulerez”.

O debate que ateava fogo no parquinho literário, na época, era se blog era ou não literatura. “Eu me lembro de responder uma vez assim: uma música tocando no elevador não faz dela uma música de elevador.”

O mesmo vale para o ofício das letras. É comum tratar o romance como filé mignon servido na mais nobre porcelana, o livro impresso. E Del Fuego tem pleno domínio dessa arte, com “Os Malaquias”, vencedor do Prêmio José Saramago em 2011, e seu título mais pop até aqui, “A Pediatra”, sobre uma profissional pouco afeita a crianças —seu próximo já tem protagonista definida, uma diretora de reality show.

Del Fuego não renega sua paixão pelo texto longo, mas está encantada pelas grandes pequenas narrativas. É a brecha que ela estava esperando para remexer sua “bolsa Jequiti”, apelido que deu à ecobag onde carrega sua uma coleção de respeito com livros do formato.

Tira de dentro obras como “Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século”, um desafio proposto por Marcelino Freire a escritores com histórias inéditas de até 50 letras. Del Fuego tem particular carinho pelo de Cintia Moscovich: “Uma vida inteira pela frente. O tiro veio de trás”.

Ou “Saideira – O Livro dos Epitáfios”, antologia organizada por Freire e Joca Reiners Terron com frequentadores da finada Mercearia São Pedro imaginando o que poderia estar escrito em suas lápides, a começar pelos próprios: “Minhocas, cheguei” (Marcelino) e “aqui jaz um cara que nunca, soube, o seu lugar, mas, o, das vírgulas, sim” (Joca). Del Fuego colaborou com o dela: “Nunca é um prazo, o meu esgotou”.

Há também uma questão visual nesse tipo de leitura. “Pela mancha do texto no papel”, diz Del Fuego, “você tem alguma indicação do que está acontecendo ali”. Quando está diante de um poema ou um romance cheio de diálogos, por exemplo, “tem uns espaços que já te dão uma placa de direção para navegar por aquilo ali”.

Uma das amostras mais conhecidas de ficção súbita é “vende-se: sapatos de bebê, nunca usados”. Ela é popularmente atribuída a Ernest Hemingway, que a teria escrito num guardanapo de bar, embora essa autoria seja tida como improvável. Seja de quem for, sintetiza o espírito da coisa: bastam seis palavras para contar um mundo inteirinho.

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