Esse é um lugar dedicado à arte e à inventividade. Ele, porém, não tem portas, janelas e muito menos paredes. Não estamos falando de um museu ou de uma galeria, mas sim de uma das instalações mais emblemáticas de Antonio Dias.
Sobre o asfalto preto, dezenas de marcas brancas delimitam um espaço imaginário, como se fosse a planta de uma construção. Na parte de fora dessa área, é possível ler uma frase que é, ao mesmo tempo, o título da instalação e um convite para o público —”Faça Você Mesmo: Território Liberdade.”
“É como se o artista estivesse provocando e convocando as pessoas a usarem os seus próprios corpos para construir um território libertário”, diz Bernardo Mosqueira, que assina ao lado de Matheus Morani e Camilla Rocha Campos a curadoria da exposição “Irradiar: Para Construir Instituições da Gente”.
Em cartaz no Solar dos Abacaxis, no centro do Rio de Janeiro, a mostra reúne 40 trabalhos sobre a relação das pessoas com espaços institucionais para marcar os dez anos de existência do centro cultural.
“Em vez de fazer uma exposição sobre o Solar, que seria um projeto muito centrado na gente, decidimos fazer uma iniciativa que pensasse a importância das instituições de arte para a defesa de liberdades coletivas”, diz Mosqueira.
Além de ecoar essa proposta, a instalação de Dias que recepciona o público é também uma forma de referenciar a história do Solar. De acordo com o curador, o espaço nasceu tendo como inspiração as ideias de liberdade e a independência preconizadas por essa obra.
“A gente criou o Solar a partir da sensação de que, naquele momento, não existiam espaços na cidade para práticas experimentais”, diz ele. “Com essa exposição, queremos inspirar outros grupos a criar as suas próprias instituições e provocar espaços que já existem a se repensarem.”
Foi isso o que fez Marcela Cantuária ao propor uma releitura da tela “Tribuna dos Uffizi”, de Johann Zoffany. O trabalho do pintor alemão mostra a famosa Galleria degli Uffizi, em Florença, tomada por pinturas e esculturas. Cantuária reproduziu esse espaço, mas fez uma mudança importante.
Tirou de cena as obras predominantemente masculinas e pôs no lugar trabalhos de 31 mulheres de países em desenvolvimento. Com isso, ela questiona a baixa presença dessas artistas em espaços de poder e prestígio.
“A prática da Cantuária está muito conectada ao feminismo queer e à luta política das mulheres da América do Sul”, diz Matheus Morani, um dos curadores da exposição.
Além de trazer trabalhos de nomes que repensam instituições, a mostra leva ao público obras de artistas que inventaram os seus próprios espaços.
É o caso de Emanoel Araújo, criador do Museu Afro Brasil. Fundado em 2004 no parque Ibirapuera, em São Paulo, o equipamento cultural se firmou ao longo dos anos como um dos mais relevantes do país por dar visibilidade a artistas negros.
Para evidenciar a centralidade de Araújo na arte brasileira, a mostra tem como destaque uma escultura que o artista fez para celebrar Oxum, a orixá da fertilidade e das águas doces. “Ele foi muito conhecido justamente por unir o legado do movimento geométrico construtivista do país com as tradições simbólicas e espirituais afro-brasileiras”, diz Morani.
Outro artista que criou o seu próprio espaço foi Maxwell Alexandre. Em 2022, ele usou as redes sociais para protestar contra o Instituto Inhotim, pedindo a remoção de sua obra, da série “Novo Poder”, da exposição temporária “Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro”. Na publicação, ele criticou a falta de pavilhões dedicados a artistas negros no museu.
No ano seguinte ao imbróglio, ele criou o Pavilhão Maxwell Alexandre, no Rio de Janeiro, para reunir o próprio trabalho. Uma de suas obras, aliás, pode ser vista na mostra. Trata-se de um jovem negro pintado sobre papel pardo.
“É muito emblemático como ele imaginou um espaço próprio para ter um diálogo direto com o público sem as balizas mercadológicas”, afirma Morani.
A mostra não evidencia apenas a criação de espaços institucionais, mas também a destruição desses ambientes. É o que pode ser visto em uma obra na qual Anna Bella Geiger reflete sobre o incêndio do Museu Nacional, em 2018. Em uma página de jornal que noticia o acidente, a artista pintou manchas azuis e sobrepôs uma fotografia de Rrose Sélavy —alter ego feminino do artista francês Marcel Duchamp.
Já Vik Muniz tematizou a destruição de Brasília causada pelos ataques do 8 de janeiro. Para isso, construiu uma representação do Congresso Nacional a partir dos cacos daquele dia.
“Com essa visualidade da ruína, ele elabora uma obra para pensar sobre a fragilidade da democracia”, diz Morani. “Esse é um sistema político que demanda luta constante.”



