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Quem quer blindagem agora é o STF; e o país escolhe campeões, não princípios – 09/12/2025 – Wilson Gomes

Nas últimas semanas, dois movimentos distintos, mas intimamente relacionados na percepção pública, reposicionaram o equilíbrio de forças entre Congresso e Supremo. Primeiro, a Câmara aprovou a chamada PEC da Blindagem, que dificulta a abertura de processos criminais e a prisão de parlamentares, exigindo autorização prévia das Casas Legislativas e reforçando o foro privilegiado.

Mais recentemente, o ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática, suspendeu trechos da Lei do Impeachment e restringiu a legitimidade para pedir o impedimento de ministros do STF, agora concentrada na Procuradoria-Geral da República, além de elevar o quórum no Senado para esse tipo de processo.

Não se trata de causa e efeito direto. A PEC nasceu do impulso de parte do Legislativo de se proteger do que considera um STF expansivo; a decisão de Gilmar, por sua vez, mira o que chama de “impeachment abusivo” e procura evitar que a corte seja intimidada. As duas medidas, contudo, foram percebidas como expressão do mesmo antagonismo moral.

Na base de tudo, está a percepção de que há uma enorme iniquidade em curso —por exemplo, a irrefreável corrupção atribuída à esquerda, o avanço do golpismo e do fascismo. E que denunciar ou enfrentar essa ordem perversa tornaria o nosso lado vulnerável ao mal ou alvo de clamorosa injustiça. Eis o ponto em que se encaixa a narrativa épica. Se “forças terríveis se erguem contra nós”, apenas outra força terrível, de sinal invertido, pode nos salvar.

A esquerda, que nunca foi propriamente devota do STF, viu na decisão de Gilmar uma barreira a futuras aventuras golpistas e um freio à ofensiva da direita radical. A direita, por sua vez, comemorou a PEC da Blindagem como reação necessária ao “ativismo judicial” e como proteção de seus quadros contra um Judiciário percebido como inimigo. A torcida vibra com a sensação de que, enfim, há alguém que pode bater o nosso opressor.

Entre 2013 e 2015, quando a extrema direita digital começava a se organizar, o roteiro apareceu nas redes sociais: perfis anônimos e militantes iam às contas de generais e das próprias Forças Armadas implorar uma intervenção “salvadora” que livrasse o país da corrupção e do domínio do PT. A história era simples: havia uma iniquidade monstruosa; só um colosso maior que a esquerda poderia enfrentá-la.

Depois, a mesma imaginação política foi aplicada ao STF. O bolsonarismo dedicou anos a alimentar a épica da corte como poder perverso e ilegítimo: tribunal usurpador, inimigo do povo, obstáculo à verdadeira vontade popular. Daí derivam tanto os documentos golpistas que propunham prender ou neutralizar ministros quanto a centralidade simbólica do STF no 8 de Janeiro.

Nessa dramaturgia, o impeachment de ministros virou a atual obsessão, promessa de catarse e objetivo declarado da direita radical para 2026. Conquistar o Senado, para o bolsonarismo, é sobretudo ganhar o poder de punição exemplar do inimigo supremo. O impeachment é lido como a única forma de retaliação eficaz contra um STF parcial e perseguidor —o golpe contra o “golpe”.

Mas o espelho existe do outro lado. Quem se opõe ao bolsonarismo, exausto depois de anos de ameaças reais à democracia, foi fechando os olhos para excessos e manobras do seu próprio colosso restaurador.

A decisão de Gilmar, que concentra a chave do impeachment na PGR e eleva muito o custo político e institucional de acionar o Senado contra ministros, em qualquer outro contexto despertaria fortes críticas de progressistas preocupados com concentração de poder. Agora, muitos preferem não ver o problema porque a medida atinge o adversário que sonha em usar o impeachment como arma de guerra.

Um amigo sugere que aí se cruzam dois eixos: a polarização recente, que insisto em destacar, e a velha tradição sebastianista. Não apenas nos dividimos em campos inconciliáveis; tampouco conseguimos imaginar a política sem um salvador em algum lugar —um general, um tribunal, um Parlamento “purificado”— que cavalgue o seu cavalo branco para enfrentar a injustiça, em nosso nome, e reparar as iniquidades.

E ai daqueles que não vestem as cores de um dos lados e ousam dizer que todos estão errados.

O maior risco à democracia não é que colossos se enfrentem —sempre se enfrentaram. O risco está em darmos autorização moral para violar regras diante da sensação de ameaça a nossos valores ou ao nosso grupo. Quando baixamos voluntariamente o próprio sarrafo moral e republicano e aplaudimos que o nosso campeão faça exatamente o que condenamos no adversário.


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