Vera Iaconelli conta própria análise em novo livro – 27/07/2025 – Equilíbrio

A história da psicanálise está cheia de casos clínicos lendários. Como os de Dora, jovem assediada pelo marido da amante do pai, ou do homem que tinha o sonho recorrente em que era observado por lobos brancos —acordava apavorado.

Mais incomuns, contudo, são os relatos em que o próprio psicanalista é o personagem e conta seu processo de análise. E é justamente o que Vera Iaconelli decidiu fazer em “Análise” (ed. Zahar), seu novo livro.

No ensaio, a autora evoca a história de sua família —e sua posição dentro desse arranjo—, enquanto conta sua experiência no divã e constrói uma casa nova para si (literalmente). O resultado é uma reflexão sobre confrontar-se com a herança dos pais, implicar-se na própria história e sustentar o próprio desejo diante do mundo, tendo a psicanálise como ferramenta.

Além disso, em agosto, Vera também estreia o podcast “Isso Não É uma Sessão de Análise”, em parceria com a Trovão Mídia, no qual também explora questões familiares. Mas, no programa, quem relata a própria vida são os convidados —figuras como Paola Carosella, Gregório Duvivier e Fernanda Torres, entre outras.

“Há uma ideia de que o psicanalista deveria se preservar da aparição pública”, diz Vera. “Acho questionável, entendo que temos que nos preservar da aparição dentro do consultório. O analista não vai viver embaixo de uma pedra.”

Isso não quer dizer que atuar como intelectual pública —a autora escreve há oito anos uma coluna na Folha— seja uma ação sem um preço, claro.

“Você não pode ficar 30 anos trabalhando para que as pessoas banquem o próprio desejo e não bancar o seu. Mas não é algo sem ruído de ver na clínica que efeitos haverá para os pacientes que resolverem me ler. Mas vai sempre se tratar da análise deles e não do meu livro.”

No ensaio memorialístico, surge então um relato de um pai violento (que mantém outra família), uma mãe oprimida, o despejo de uma casa, a morte precoce de dois irmãos, dois casamentos, a maternidade —e a construção de uma vida própria com todo o passado pela frente.

Vera Iaconelli convoca o leitor a refletir sobre o que se faz com a herança que se recebe. E faz uma defesa de que, para viver uma vida mais rica, é preciso implicar-se na própria história, em vez de ver a si mesmo como a figura passiva maltratada pelos acontecimentos. Ou seja, nada de coitadismo.

“A análise só começa quando você se inclui nas suas histórias. Mesmo que seja uma história de muita violência de fora, você só começa quando diz: ‘Tem algo meu aí’. O que eu fiz ali que ainda não consegui dar conta?”

A psicanalista diz que a lealdade da família se baseia em uma renúncia do desejo de seus integrantes.

“O desejo individual é tolhido para que a família continue reproduzindo seus valores, tanto mentais quanto materiais”, diz Vera. “A lealdade à família muitas vezes fere a lealdade a si mesmo, né? Uma análise muito frequentemente é esse embate entre quem o sujeito acha que deveria ser e quem ele de fato pode ser. E o medo de perder todos se bancar o desejo. Mas não há desejo sem preço, e às vezes o preço é a família.”

No livro, a escritora conta um total de quatro análises, com profissionais diferentes; da primeira, que fracassa por culpa do despreparo do analista, até a última, que coincide com a escrita do livro. Ou seja, Vera vai tratar de algo que se reveste de um viés quase mítico, tanto para psicanalistas quanto para pacientes: como é viver o fim da análise.

Para um profissional do campo, isso pode levar a um trâmite de levar o testemunho a uma instituição psicanalítica para ser avaliado —no caso da autora, o Fórum do Campo Lacaniano— e, depois de aprovado, apresentar o relato para plateias de analistas. Já para os pacientes no divã, a curiosidade é a mais óbvia: o que há do lado de lá?

Resposta: não é a iluminação.

“No fim da análise tem tudo. As mesquinharias, o ressentimento… Não perdemos nada do demasiado humano, de nossa pequenez. Mas você tem uma capacidade maior de olhar isso sem achar que vai ser destruído, uma capacidade maior de se perdoar. Você é legal, mas você também é uma merda. Você é fofo, mas pode ser um escroto. Você é generosa, mas às vezes também é mesquinha. Tudo ao mesmo tempo agora”

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