Após anunciar em outubro a negociação para a aquisição de até 150 caças suecos Saab Gripen iguais aos usados pelo Brasil, o governo da Ucrânia fechou nesta segunda-feira (17) um pedido de cem modelos franceses Rafale.
O negócio foi anunciado durante visita do presidente Volodimir Zelenski ao colega Emmanuel Macron, e sugere que Kiev pretende formar uma das mais capazes forças aéreas europeias no longo prazo, visando criar dissuasão contra os russos que ora guerreiam em seu território.
Como no caso sueco, não há valores ou condições do negócio divulgados. É uma transação caríssima, e como a Europa assumiu o lugar dos Estados Unidos como principal fornecedor de ajuda militar a Kiev após a volta de Donald Trump à Casa Branca, é possível que financiamentos continentais de longo prazo estejam envolvidos.
O bimotor Rafale é um modelo mais caro do que o monomotor Gripen e tem algumas capacidades diversas, como o emprego de mísseis de cruzeiro nucleares. Os valores de prateleira são ilusórios, pois cada negócio embute custos diferentes pela escala e pelas características do pedido.
Como referência, a Índia comprou 26 Rafale navais em abril pelo equivalente a R$ 1,5 bilhão cada avião. O Brasil, por sua vez, adquiriu 36 Gripen por valores de 2014 que, atualizados, equivalem a cerca de R$ 1 bilhão a unidade.
Além disso, modelo francês tem uma hora-voo estimada em quase R$ 100 mil, quatro vezes mais do que o sueco.
Seja como for, o desenho que a Ucrânia se propõe é o de uma força com pelos menos dois modelos, provavelmente deixando o Rafale para ações que requeiram maior carga bélica. Nada disso, contudo, afetará as perspectivas de defesa do país contra a invasão russa, dado que são contratos de longo prazo.
Zelenski até pediu que a Suécia fornecesse modelos da geração anterior do Gripen, algo que o Brasil também quer para tapar buracos enquanto sua frota não está completa, mas é incerto se isso irá ocorrer. Se comprar cem Rafale, Kiev será a segunda maior operadora da aeronave, atrás da França, que tem 141 deles hoje.
Paris já vem doando modelos Mirage-2000 de seu inventário, um caça de eficácia comprovada e bem mais barato de operar do que o sofisticado Rafale. Além disso, um consórcio de países europeus deu a Kiev um número também incerto de caças americanos F-16, que deverão ficar no país.
Até a guerra, a Ucrânia operava uma frota de caças soviéticos MiG-29 e Su-27, além de bombardeiros táticos Su-24 e modelos de ataque ao solo Su-25. Boa parte desse equipamento já foi perdido no conflito, com reposição parcial por países que eram comunistas e estão modernizando seu arsenal, como Polônia e Eslováquia.
A guerra, como sempre, é ótima para os negócios: tanto Rafale quanto o Gripen eram modelos que passaram anos com dificuldades para encontrar clientes externos, e agora estão ganhando competições contra o F-35 americano.
Em favor deles há o custo de operação: o avião de quinta geração americano tem uma hora-voo estimada em R$ 185 mil.
Além disso, há o apoio de governos europeus à sua indústria de defesa, dada a expectativa de um maior desengajamento americano do continente —Trump já conseguiu que a aliança Otan eleve sua meta de gasto militar, e parou de ajudar a Ucrânia diretamente, obrigando os sócios da Europa do clube a pagar por novas armas a Kiev.
Como dito, no curto e médio prazo nada muda para Zelenski. A situação nas linhas de frente tem se agravado nas últimas semanas, com a pressão russa para tomar a estratégica Pokrovsk, centro logístico das forças de Kiev em Donetsk (leste do país).
Lutando para evitar a queda da cidade, os ucranianos foram obrigados a deslocar recursos de outros pontos. Com isso, a Rússia está promovendo um rápido avanço em uma região mais calma dos mais de mil quilômetros de frente de batalha, Zaporíjia, no sul do país.
Ali, 1 das 4 áreas anexadas ilegalmente por Vladimir Putin em 2022 e que faz parte de sua lista de exigências para acabar com a guerra, Moscou anunciou nesta segunda ter tomado mais duas localidades.



