Em qualquer lugar do mundo, as decorações de Natal estão repletas de referências a gelo e neve. Tradicionalmente, as ruas nos paÃses frios se vestem de branco nesta época.
Luzes em forma de pingentes de gelo iluminam pinheiros, e tecidos brancos decoram vitrines. Até o menino Jesus é agasalhado para uma noite fria e nevada numa manjedoura que, incongruentemente, estaria no Oriente Médio.
E mesmo no Brasil ou em paÃses como Austrália e Nova Zelândia, onde a data cai no verão e é muitas vezes celebrada com churrasco na praia, a associação entre Natal, neve e frio é onipresente, com ajuda da colonização, do capitalismo e das decorações de plástico.
Mas, agora, à medida em que a mudança climática aquece o planeta, os Natais nevados vão ficando mais incertos na Europa, e alguns efeitos disso já são perceptÃveis.
Saudade da neve
Na Suécia, a ideia de um inverno nórdico “de verdade”, com um espesso manto de neve, é vista por muitos como parte da identidade nacional. Mas, no sul do paÃs, a queda de neve se tornou mais rara nas últimas décadas.
“As gerações mais velhas têm histórias muito detalhadas sobre como era viver com neve e que incluem castelos de neve, trenós ou ir de esqui para a escola”, explica a etnógrafa Erika Lundell, da Universidade de Malmö, que estuda os aspectos culturais da neve e do inverno.
Mas, para os suecos mais jovens, segundo ela, isso não faz parte do cotidiano. Eles estão mais acostumados a ver neve suja e congelada ou lama derretida.
“Existe uma ideia extremamente forte nesta parte do mundo de que é preciso haver neve para que o Natal seja perfeito.” A maioria conta que “sente falta da neve”, daquele inverno clássico popularizado por séculos de canções, histórias e imagens.
Perda cultural “enorme”
A Europa, o continente que mais se aquece no mundo, registrou um recuo no número médio de dias com neve ao longo dos últimos 40 anos. Dois dos invernos mais quentes já registrados aconteceram nos últimos cinco anos.
Na América do Norte, áreas tradicionalmente geladas, como a região dos Grandes Lagos, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, também estão passando por um processo de degelo. O inverno relativamente ameno de 2020, por exemplo, teve pouquÃssimo gelo sobre os mares interiores, que normalmente têm cerca de 40% da superfÃcie congelada.
“Culturalmente essa perda será um choque enorme”, diz o pesquisador de turismo e sustentabilidade Colin Michael Hall, da Massey Business School, na Nova Zelândia. Para ele, essa ausência será sentida de forma particularmente intensa em lugares como Rovaniemi, a autoproclamada “cidade natal oficial do Papai Noel”, no norte da Finlândia.
Os visitantes da cidade esperam o pacote completo: passeios de trenó, o bom velhinho e, claro, diversão na neve. Mas a mudança climática está afetando o “paÃs imaginado do Natal”.
“Em termos de número de visitantes, para Rovaniemi o Natal é o auge”, afirma. “Foi assim que eles se posicionaram durante muitos anos, foi assim que se fixaram no imaginário das pessoas. E é muito difÃcil se afastar disso.”
Turismo adaptado
Agências de viagens que organizam passeios natalinos e invernais no norte da Europa já adaptaram algumas atividades e se veem obrigadas a ser mais transparente com os clientes sobre o que esperar.
“Há 15 anos, apostávamos fortemente em imagens tradicionais de paisagens cobertas de neve, que refletiam o que os viajantes esperavam naquela época”, disse um porta-voz de uma empresa na Islândia à DW. “Quase todos os nossos passeios incluÃam atividades de inverno, como trenós puxados por cães, trenós de renas, motos de neve e experiências em geleiras.”
Hoje, diante da falta de neve, os fornecedores passaram a usar trenós de huskies com rodas. A Vila do Papai Noel em Rovaniemi permanece aberta o ano todo, com o bom velhinho recebendo visitantes faça sol, faça chuva —ou neve.
“A iconografia está presente, e isso claramente vai continuar conosco por muito tempo”, afirma Hall. Para os operadores turÃsticos, isso também significa oferecer passeios que valorizem outras “experiências culturais locais” e celebrar o Ano Novo com fogueiras e fogos de artifÃcio.
Lundell prevê que talvez a ênfase na neve e no frio se volte para outro sÃmbolo importante da estação: a interação entre luz e escuridão. “Talvez, no futuro, o inverno seja conhecido mais como a estação escura do que como a estação fria.”



