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Querida, encolhi os adultos – 15/12/2025 – João Pereira Coutinho

A Austrália mostra o caminho: menores de 16 anos serão banidos das redes sociais. Você festeja? Cuidado, adulto: se você festeja, isso significa uma desistência na arte de educar. Não é o Estado que deve proibir os hábitos das crianças. São os adultos. A questão derradeira é saber se você é um.

Claro que conheço os perigos da vida virtual para as cabeças dos imberbes. Também conheço os perigos do consumo de drogas. E daí? Não forneço drogas às crianças da família. Aplico a mesma lógica às redes sociais. Será assim tão difícil? Talvez seja —e a filósofa Hannah Arendt, que morreu há 50 anos, serve de guia para nossas misérias contemporâneas. Em “A Crise na Educação”, um ensaio profético de 1954, Arendt analisou precisamente a forma como os adultos falham com as crianças na hora de educar.

Falham de duas formas. A primeira é quando deixam as crianças entregues a si próprias, em autogestão, sem perturbarem esse universo “autêntico” e “especial”. A ideia é permitir que as crianças criem suas próprias regras, de acordo com seus desejos e caprichos, em plena liberdade. Resultado? “A autoridade que diz à criança individual o que deve ou não deve fazer reside no próprio grupo de crianças”, escreve Arendt, “e isso produz, entre outras consequências, uma situação em que o adulto fica impotente perante a criança individual e perde o contato com ela.”

A natureza perversa dessa situação é que “a autoridade do grupo, mesmo de um grupo de crianças, é sempre consideravelmente mais forte e mais tirânica do que a mais severa autoridade que uma pessoa individual alguma vez possa exercer.”

Os pequenos são abandonados assim à “tirania da maioria” (expressão célebre, que Arendt usa “ipsis verbis”). O cyberbullying, por exemplo, é a manifestação mais evidente dessa tirania avassaladora dos pares. E você, pretenso adulto, contribuiu para isso. Como?

Quando comprou um smartphone para a sua criança com o argumento “todos os coleguinhas têm”, a versão infantil do clássico “estava apenas cumprindo ordens”. A tirania da maioria não destrói apenas as crianças; também destrói os pais.

E destrói porque há um segundo fator na crise da educação: a crise da autoridade dos educadores. Autoridade: a palavra incomoda, eu sei, sobretudo para quem a confunde com autoritarismo.

Não são a mesma coisa. Autoridade, escreve Arendt, significa sermos responsáveis pelo mundo e pelas crianças que aqui chegam. Significa não desertarmos do nosso posto, não lavarmos as mãos perante decisões difíceis, como se habitássemos o mesmo degrau de ignorância ou inocência.

Isso implica, sempre, que a relação entre adultos e crianças é uma relação assimétrica por definição, conclui a filósofa. Podemos ser amigos, companheiros, confidentes. Mas somos também adultos, pais, decisores.

Hoje, o sonho do adulto é ser apenas amigo, companheiro e confidente. E protetor, sim, mas no mau sentido: removendo todos os obstáculos do caminho do príncipe, exceto quando essa remoção ameaça o romantismo igualitário da relação.

Também por isso o adulto-amigo cultiva um supremo paradoxo: ele vigia obsessivamente, quase paranoicamente, as atividades da descendência. Para usar a expressão conhecida, é um pai ou mãe-helicóptero, sobrevoando cada espirro do infante.

Mas o helicóptero regressa de imediato à base quando há perigo de frustrar o mesmo infante.

No fundo, há excesso sem autoridade. E quando a autoridade é necessária, o adulto transfere esse trabalho sujo para o especialista —ou para o Estado. Como se dissesse: eu também sou uma criança e preciso de uma figura tutelar. Perfeito: quando não abandonam os menores à crueldade da maioria, entregam-nos (e se entregam) ao paternalismo do poder político.

Sei do que falo. Em Portugal, quando o governo ponderava a proibição de celulares/smartphones nas escolas até aos 12 anos, conhecidos meus rezavam a todos os santos para que a decisão fosse restritiva. “Deus permita!”, exclamavam os pais, como se esperassem pela salvação.

Intrigado com as rezas, ainda sugeri: “Você não precisa do Estado para proibir os smartphones. Basta dizer não ao seu filho.” Eles me olhavam como se eu fosse a nova encarnação de Herodes. Entre a indignação e o vexame, respondiam: “Não é tão simples assim…”.

Quando a proibição finalmente saiu, imaginei os festejos de alívio naquelas casas. “Filho, a culpa não é nossa”, terão dito, suplicantes. E a frase mais trágica de todas: “É o Estado quem manda.


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