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Standup e Anda do Porta dos Fundos peca por ser sem graça – 15/12/2025 – Ilustrada

Em verdade, em verdade vos digo: é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que o Porta dos Fundos abandonar de vez os temas bíblicos em seus especiais de Natal.

Eles até tentaram mudar de rota no especial natalino de 2022, com resultado melhor que a média, mas estão de volta à antiga seara agora —a inspiração, pelo visto, está mais difícil de achar do que orelha de leproso no ano 50 d.C.

Se a comparação parece gratuita e grosseira, a desculpa para inseri-la aqui é que menções às partes faltantes da anatomia dos afetados pela lepra na Antiguidade estão entre as piadas recorrentes nos 50 minutos de “Standup e Anda”, como foi batizado o programa de final de ano da trupe carioca.

Roteirizado, produzido e estrelado por Fábio Porchat, com curtíssimas participações de Gregorio Duvivier e Evelyn Castro, o especial é exatamente o que o título sugere. Trata-se de uma longa sessão de comédia standup transposta para a Galileia do século 1º, algumas décadas após a morte de um tal de Jesus —mencionado de forma quase oblíqua e sem participação especial na história desta vez, graças ao Senhor.

Muitos elementos de “Standup e Anda” são irritantes, mas o que une todas essas fontes de irritação provavelmente é o potencial desperdiçado, assim como as falsas pistas do que virá a seguir. Logo no começo do programa, por exemplo, Jafé, o comediante interpretado por Porchat, está sendo entrevistado no camarim antes de entrar em cena por uma “repórter” —ou o equivalente disso na Palestina ocupada pelos romanos, enfim— que lhe faz a pergunta fatídica: “Qual o limite do humor?”.

Parece a deixa perfeita para abordar a hipocrisia de quem usa o escudo da liberdade de expressão apenas quando quer desumanizar os mais vulneráveis, e o próprio duplo padrão de quem clama contra a “censura” só quando ela afeta seu próprio discurso tribal. Algumas das piadas iniciais de Jafé até parecem apontar para esse caminho, mas as possibilidades do tema logo se perdem na enxurrada costumeira de palavrões.

Apontar esse último detalhe não é questão de puritanismo. A inventividade escatológica brasileira é um patrimônio inegável do humor nacional, e o próprio Porta dos Fundos já mostrou que é capaz de usar essa ferramenta de modo hilariante.

Mas, para funcionar, ela exige precisão e timing; tem de ser usada mais como bisturi de neurocirurgião do que como marreta de soldado romano pregando salteador na cruz. A abordagem do especial deste ano, infelizmente, está muito mais para o segundo caso.

Outro fracasso do texto de Porchat é quando Jafé anuncia que vai falar de “causos” bíblicos —do Antigo Testamento— “pouco conhecidos” e polêmicos. Para começo de conversa, os tais casos que pouca gente conhece são manjadíssimos. Parecem tirados de playlist de ateu adolescente no YouTube —a punição às supostas orgias de Sodoma e Gomorra; o caso de Lot, sobrinho de Abraão, engravidando as próprias filhas; o profeta Eliseu sendo ridicularizado por ser careca —com uma punição divina totalmente desproporcional aos jovens que zombavam dele— etc.

Aqui, a oportunidade desperdiçada fica clara mais uma vez porque, de fato, existe um abismo cultural gigantesco entre as expectativas dos autores bíblicos e de seu público, de um lado, e as de um público moderno —mesmo aquele que enxerga a Bíblia como sagrada—, de outro.

As Escrituras hebraicas às vezes têm uma franqueza chocante no que diz respeito a temas como relações sexuais e necessidades fisiológicas, por exemplo. (Aliás, fica aqui a menção honrosa à piada sobre David observando o rei israelita fazer o proverbial número 2, uma das raras em que a escatologia funciona.)

Não se pode nem mesmo descartar a possibilidade de que vários desses textos tivessem intenções satíricas já na época em que foram escritos, como é o caso da narrativa de Jonas e a baleia, também citada pelo humorista Jafé. Mas, para explorar esse potencial direito, talvez seja necessária uma intimidade e empatia com as histórias originais que não parece estar presente aqui.

Acima de tudo, a disposição para chocar, embora mostre inegável coragem, não é acompanhada do básico: a capacidade de provocar risadas, que é escassa no especial. O humor é capaz de cobrir uma multidão de pecados —menos o pecado capital de ser, no fim das contas, simplesmente sem graça.

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