A Ucrânia renunciou ao seu objetivo de ingressar na Otan, a aliança militar liderada pelos Estados Unidos, em troca de garantias de segurança ocidentais, disse o presidente Volodimir Zelenski neste domingo (14), no início das negociações de paz em Berlim. Trata-se de uma concessão na tentativa de encerrar a guerra com a Rússia, iniciada por Moscou em 2022.
Zelenski anunciou a concessão ao voar para a capital alemã, onde participou de reuniões com Steve Witkoff, o enviado do presidente americano, Donald Trump, e o genro do republicano, Jared Kushner.
Trata-se de uma grande mudança para a Ucrânia, que pleiteava ingressar na Otan como salvaguarda contra ataques russos e tem essa aspiração incluída em sua Constituição. A desistência atende a uma das exigências da Rússia. Em relação a outra demanda russa, a cessão de território, Kiev tem mantido sua recusa.
Zelenski se reuniu com os enviados dos EUA em conversas organizadas pelo premiê da Alemanha, Friedrich Merz. Segundo um interlocutor, o alemão fez breves comentários e deixou os dois lados sozinhos para negociar. Outros líderes europeus também devem chegar ao país para diálogos nesta segunda (15).
Garantias de segurança dos EUA, Europa e outros parceiros, em vez da adesão à Otan, representam uma concessão por parte da Ucrânia, disse Zelenski antes das discussões deste domingo.
“Desde o início, o desejo da Ucrânia era ingressar na Otan. Essas são garantias de segurança reais. Alguns parceiros dos EUA e da Europa não apoiaram esse pleito”, disse ele em resposta a perguntas de repórteres em um chat numa plataforma de mensagens.
“Assim, hoje, garantias de segurança bilaterais entre a Ucrânia e os EUA, garantias semelhantes ao artigo 5 [da Otan], e garantias de segurança de colegas europeus, bem como de outros países —Canadá, Japão— são uma oportunidade para evitar outra invasão russa”, disse Zelenski.
“E já é uma concessão da nossa parte”, disse ele, acrescentando que as garantias de segurança devem ser juridicamente vinculantes.
O artigo 5 da Otan estabelece que um ataque armado contra um país-membro da aliança é considerado uma agressão contra todos, obrigando os outros membros a auxiliarem a nação atacada.
O presidente russo, Vladimir Putin, exigiu várias vezes que a Ucrânia renunciasse às suas ambições ao ingresso na Otan e retirasse tropas da região do Donbass, leste russófono da Ucrânia, que Kiev ainda controla.
Moscou também disse que a Ucrânia deve ser um país neutro e que nenhuma tropa da Otan pode ser posicionada no território ucraniano.
Autoridades russas disseram, no início deste ano, que Putin quer um compromisso por escrito das principais potências ocidentais de não expandir a Otan para o leste –o que excluiria formalmente a adesão da Ucrânia, Geórgia, Moldávia e outras ex-repúblicas soviéticas.
Zelenski já pediu em outras ocasiões uma “paz digna” e garantias de que a Rússia não ataque a Ucrânia novamente. Sob pressão de Trump para assinar um acordo de paz que inicialmente chancelava quase todas as exigências de Moscou, o líder ucraniano acusou o Kremlin de prolongar com bombardeios contra cidades e suprimentos de energia e água da Ucrânia.
O envio de Witkoff, que liderou negociações com a Ucrânia e a Rússia sobre uma proposta de paz dos EUA, pareceu ser um sinal de que Washington viu uma chance de progresso quase quatro anos após a invasão russa de 2022.
Zelenski disse que a Ucrânia, os europeus e os EUA estão analisando um plano de 20 pontos que prevê um cessar-fogo. Ele disse que Kiev não mantém conversas diretas com a Rússia.
Um cessar-fogo ao longo das atuais linhas de frente seria uma opção justa, acrescentou o líder ucraniano.
MOMENTO CRÍTICO
Reino Unido, França e Alemanha têm trabalhado para melhorar as propostas dos EUA, que em um rascunho divulgado no mês passado, pediam a Kiev para ceder mais território, abandonar suas ambições ao ingresso na Otan e aceitar limites para suas Forças Armadas –todas reivindicações russas firmemente rechaçadas por Zelenski.
Aliados europeus descreveram este como um “momento crítico” que poderia moldar o futuro da Ucrânia. Eles tentam reforçar as finanças de Kiev usando ativos congelados do banco central russo para custear o orçamento militar e civil de Kiev.
Putin recebeu Witkoff e Kushner em uma reunião no início de dezembro que o Kremlin classificou de construtiva, embora nenhum grande avanço tenha sido alcançado.
Zelenski disse que centenas de milhares ainda estão sem energia após ataques russos que visaram suprimentos, aquecimento e água em toda a Ucrânia. “A Rússia está prolongando a guerra e tenta causar o máximo de danos possível ao nosso povo”, disse ele.
A invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia fez com que as relações com o Ocidente degringolassem. A Otan e líderes europeus vêm afirmando que Putin não vai parar na Ucrânia.
O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, disse em um discurso em Berlim na quinta-feira (11) que a Otan deve estar “preparada para a escala de guerra que nossos avós ou bisavós suportaram” e afirmou que outros países do continente serão os “próximos alvos da Rússia“.
O Kremlin rejeita tais afirmações. “Isso parece uma declaração de um representante de uma geração que conseguiu esquecer como foi realmente a Segunda Guerra Mundial”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, ao repórter da televisão estatal Pavel Zarubin no domingo.
“O senhor Rutte, fazendo declarações tão irresponsáveis, simplesmente não sabe do que está falando”, acrescentou Peskov.



