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Tom Ripley chega aos 70 talentoso como sempre – 13/12/2025 – Ilustríssima

[RESUMO] A literatura policial não foi mais a mesma depois de 1955, quando a americana Patricia Highsmith lançou “O Talentoso Ripley”, a primeira história do sociopata Tom Ripley. Nas décadas posteriores, outros quatro romances fizeram do personagem um dos ícones do gênero, tão representativo do século 20 quanto Sherlock Holmes o foi da Inglaterra vitoriana. Interpretações no cinema e na TV —a primeira delas de Alain Delon, em 1960, e depois Dennis Hopper (1977), Matt Damon (1999), John Malkovich (2002) até Andrew Scott (2024) na Netflix— desde então ajudaram a consolidar Ripley no imaginário popular.

Sociopatia.

so·ci·o·pa·ti·a

sf (substantivo feminino). Medicina, psicologia. Doença mental em que o indivíduo revela comportamento antissocial, associado à falta de consciência, bem como de senso de responsabilidade moral (“Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa”).

Talvez o sociopata mais famoso do mundo da literatura, Tom Ripley completou 70 em fins de novembro, e a riplíade —como se convencionou chamar o conjunto dos cinco livros do personagem, todos escritos pela americana Patricia Highsmith (1921-1995)— volta às livrarias brasileiras em novas edições pela editora Intrínseca.

Os dois primeiros títulos, “O Talentoso Ripley” (1955) e “Ripley Subterrâneo” (1970), já constavam do catálogo recente da editora, mas os outros três estavam esgotados há tempos e reaparecem agora em novas traduções.

São eles “O Jogo de Ripley” (1974), “O Garoto que Seguiu Ripley” (1980) e “Ripley Debaixo d’Água” (1991). As capas da coleção espelham as últimas edições suíças, com ilustrações de Michel Casarramona.

Se a dedução é a principal característica de Sherlock Holmes, assim como o disfarce é a de Arsène Lupin, podemos dizer que o modus operandi de Tom Ripley é a mentira deslavada.

É com ela que o americano de vinte e poucos anos abre caminho em sua escalada para o jet set europeu e é nela que ele se enreda cada vez mais, afligindo o leitor, que passa a não ver saída possível para o alpinista social.

E, apesar de ser um matador de sangue extremamente frio, que define e executa assassinatos em um piscar de olhos, ele é também um personagem simpático por quem torcemos.

Highsmith demorou 15 anos para retornar a Ripley após sua estreia nos anos 1950, mas depois disso revisitou-o periodicamente até morrer.

Para além da riplíade, o personagem estendeu sua vigarice para as telas, os palcos e mesmo para o rádio. No cinema, foi vivido por Alain Delon e filmado por Wim Wenders. Mais recentemente, chegou estrondosamente ao streaming, conquistando novas gerações de fãs com a série noir “Ripley” da Netflix, lançada no ano passado.

Pacto sinistro

Morta há 30 anos, Highsmith escreveu 22 romances em seus 45 anos de carreira, mas foram os cinco com o sociopata que pavimentaram seu lugar como respeitada escritora de thrillers.

Antes de Ripley, ela havia adquirido certa fama como autora de suspenses psicológicos, quando seu primeiro romance, “Strangers on a Train” (1950), foi adaptado para o cinema por Alfred Hitchcock.

Na história, dois desconhecidos se esbarram em um trem e planejam uma troca de assassinatos, ou seja, um mataria a pessoa de quem o outro gostaria de se livrar. O filme recebeu no Brasil o nome “Pacto Sinistro”, também utilizado hoje no livro.

De acordo com um dos biógrafos de Highsmith, Richard Bradford, foi mesmo Ripley quem se tornou “para ela o equivalente ao Holmes de Conan Doyle, até mesmo ao Hamlet de Shakespeare, a figura que a definia como escritora”.

Mas se Holmes e Lupin espelham o mundo europeu do final do século 19, Ripley é um produto do século 20. Ele não apenas rouba; ele mata. Não pensa duas vezes: caso alguém se coloque entre ele e seus objetivos, é provável que a pessoa acabe morta.

Apesar da fila de cadáveres que deixa atrás de si, ele não é um assassino em série clássico. Ripley não mata por maldade nem extrai prazer dos assassinatos. Ao contrário, ele vislumbra o desprazer que terá se vier a cometê-lo: a necessidade de se livrar do corpo, de limpar o local, de não deixar pistas etc.

Em alguns momentos, Ripley sente remorsos. Considera se era mesmo necessário ter matado este ou aquele sujeito. No segundo livro, por exemplo, sente pena da viúva de uma de suas vítimas.

Mas Ripley tem um objetivo simples: tornar-se um membro das elites do Mediterrâneo, um ricaço despreocupado que não trabalha e vive de rendas. Um bon-vivant cujo grande desafio diário é escolher qual drinque tomará ao cair de cada tarde.

Ele queria ter nascido em berço de ouro, mas, uma vez que isso não aconteceu, vai conquistar esse espaço à custa de outros. E não é exatamente dinheiro o que ele almeja, mas a exclusividade a que os endinheirados têm acesso, o luxo, a sensação de ser objeto de devoção dos outros.

O que mais o apavora é ser visto como um novo rico, uma figura desprezada, objeto de riso das pessoas de estirpe.

As escolhas erradas que faz no início de sua trajetória —como comprar um robe excessivamente colorido, brega aos olhos dos bem-nascidos ao seu redor— vão sendo corrigidas à medida que as aventuras se sucedem, e ele sobe de classe social.

Um mistério não resolvido sobre a riplíade é a questão da passagem do tempo. Como na teoria da relatividade, o tempo ali parece elástico, se expandindo e se contraindo de formas não intuitivas.

Basta dizer que os cinco livros se passam durante no máximo 11 anos da vida de Tom Ripley. As referências sociais e culturais citadas por Highsmith, contudo, abrangem três décadas.

A autora não crava o ano exato de nenhuma das histórias. As cartas assinadas por Ripley no primeiro livro, por exemplo, aparecem sempre datadas de forma incompleta, como em “Veneza, 3 de junho de 19XX”.

Mas podemos situar sem erro a primeira história na década de 1950. Além de o livro ter sido lançado em 1955, existe ali a efervescência do jazz e o fato de Ripley fazer a viagem entre EUA e Europa de navio —algo ainda comum nos anos 1950, mas não tanto nos anos 1960, com o advento do avião a jato comercial.

O segundo título se passa seis anos após o primeiro, mas são citados acontecimentos e objetos de 1968 —como o casamento de Jacqueline Kennedy e Aristóteles Onassis ou um cartaz do filme “Romeu e Julieta”, de Franco Zeffirelli—, numa clara impossibilidade temporal.

A trama do quinto livro ocorre cinco anos após a do segundo. No entanto, um personagem tem uma “coleção de CDs”, o que obviamente só poderia acontecer no final dos anos 1980 ou início dos 1990 (quando o livro foi lançado). Outro esgarçamento temporal impossível.

Falando em bens culturais, na terceira obra é citado o livro “O Poderoso Chefão”, de Mario Puzo, de 1969. E na quarta ouve-se o disco “Transformer”, de Lou Reed, de 1972.

Relação homoerótica

O primeiro livro foi o mais adaptado ao audiovisual, portanto tem a história mais conhecida. Começa em Nova York, onde o jovem Tom Ripley vive sem perspectivas, aplicando fraudes pelos correios, falsificando assinaturas, dormindo em hotéis imundos e sendo expulso do sofá de conhecidos.

A sorte dele muda quando um homem o segue pelos bares e revela ser o enviado de um milionário. O ricaço quer enviar Ripley para buscar seu filho na Itália, uma vez que o rapaz parece não querer voltar para assumir suas responsabilidades na empresa da família.

Ripley aceita e segue para Mongibello, vila (fictícia) na costa próxima a Nápoles. Lá, encontra Dickie Greenleaf e sua amiga Marge Sherwood, ambos na boa rotina de tomar sol de manhã, dormir de tarde e tomar drinques à noite.

Ripley imediatamente antipatiza com Marge e se sente próximo de Dickie, estabelecendo uma relação homoerótica que jamais será concretizada, nem mesmo verbalizada. A dinâmica desse trio não pode dar certo —e não dará.

Daqui não passaremos, pois seria spoiler, mas podemos dizer que os melhores momentos da estreia de Tom Ripley são as mentiras que ele contará às pessoas ao redor e como irá improvisar criando mais balelas para que as coisas não saiam dos trilhos.

A obra foi adaptada para o cinema já em 1960, pelo diretor francês René Clément, e transformou Alain Delon em estrela. Highsmith se declarou decepcionada com o fim, que considerou “moralista”. Originalmente com o título “Plein Soleil” (sol pleno), o filme chegou ao Brasil como “O Sol por Testemunha”.

Em 1999, Hollywood refilmou o livro, lançado como “O Talentoso Ripley”, de Anthony Minghella, com Matt Damon, Jude Law e Gwyneth Paltrow. A versão americana não é moralista, ao contrário. Traz um final diferente, e talvez mais cruel, que o do romance. Highsmith aparece como colaboradora no roteiro das duas versões.

Finalmente, ainda inspirada no livro inicial, há a série “Ripley”, da Netflix, de 2024, filmada em preto e branco. As interpretações de Andrew Scott e Dakota Fanning, como Ripley e Marge, são inesquecíveis. Essa adaptação pôde, enfim, ser literal, com todos os vaivéns da história original, já que se estende por oito episódios de uma hora, em média.

Curiosamente, a minissérie exibe logo no início a data de 1961, ou seja, se passaria alguns anos depois do original. Esse detalhe foi creditado à vontade do criador do programa, o diretor e roteirista Steven Zaillian, em adequar a história aos dias de sua própria infância.

Os livros posteriores são um tanto irregulares e pelo menos um traz uma história nitidamente esdrúxula, caso de “O Garoto que Seguiu Ripley”, no qual, oras bolas, um garoto segue Ripley. E nosso mentiroso se afeiçoa ao rapazola, o leva para viajar etc.

“O Jogo de Ripley” é bem melhor, tanto que atraiu o alemão Wim Wenders, que o transformou no filme “O Amigo Americano” (1977), com Dennis Hopper (no papel do sociopata) e Bruno Ganz.

Irritado com o desprezo que percebe em um vizinho britânico, Ripley decide de forma irônica sugeri-lo a um comparsa como potencial assassino. A brincadeira cruel sai do controle quando Jonathan, acreditando falsamente estar à beira da morte e convencido de que sua família precisa de dinheiro, aceita participar.

Uma segunda versão, dirigida pela italiana Liliana Cavani, traz John Malkovich no papel do assassino. Lá fora, recebeu o nome do livro, mas aqui foi “O Retorno do Talentoso Ripley” (2002).

“Ripley Debaixo d’Água” traz um inventivo jogo de gato e rato, enquanto “Ripley Subterrâneo” tem algumas passagens estranhas —Highsmith coloca seu protagonista numa situação de múltiplos disfarces, mais a ver com Holmes e Lupin. Logo no início, nosso herói se passa por um pintor excêntrico, com maquiagem e barba postiça, para enganar os clientes de uma galeria.

É também nessa segunda obra que descobrimos que Ripley está casado com uma francesa e que mora em uma bela casa de campo no país. Essa nova condição não mudará até o final de sua trajetória conhecida, no quinto livro. Aparentemente, Ripley e sua amada Heloise viveram felizes para sempre.

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