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Psica: Grupo Manga Verde tem reunião emocionante – 14/12/2025 – Ilustrada

Não havia muito mais do que cem pessoas na Praça do Carmo, no bairro Cidade Velha, em Belém, para ver o show do Manga Verde na sexta-feira (12), o primeiro dia da edição deste ano do festival Psica. A apresentação gratuita tinha caráter histórico, pois marcava o encontro do grupo que se separou há mais de três décadas.

Hoje não é possível encontrar os dois álbuns do Manga Verde nos serviços de streaming, mas eles já foram o maior grupo de samba do Norte do país. No auge, venderam mais de 100 mil cópias de seu segundo disco, “Fruto Sensual”, e inspiraram gerações ao criar um jeito particular, amazônico, de se tocar e compor samba.

O Manga Verde foi formado em 1986, na esteira do sucesso do Fundo de Quintal e outros filhos ilustres do samba gestado no Cacique de Ramos, no Rio de Janeiro, como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão e Almir Guineto, entre outros. Seus integrantes eram conhecidos pela atuação nas escolas de samba de Belém, que na década anterior viviam o seu ápice de popularidade.

Mas não havia na região um samba feito para ser consumido fora do Carnaval —pelo menos não com a representatividade que teve o Manga Verde. “Fomos precursores desse samba na Amazônia, não havia antes”, diz Ademir da Marcação, um dos integrantes, à Folha. “Criamos o grupo na intenção de fazer um movimento de samba na região —algo que nunca imaginávamos que daria certo.”

Havia grupos de samba, eles dizem, mas não eram profissionais —tocavam o ritmo de maneira amadora, “na esquina”, mas não faziam shows e nem cobravam cachês. “Antes a gente até tocava pagode, mas tinha mesmo era vivência de escola de samba”, afirma Nego Dito, outro integrante do Manga Verde.

Nos anos 1970 e 1980, o Carnaval de Belém era um dos grandes do país, muito pela injeção de dinheiro do jogo do bicho —incluindo de figuras proeminentes dessa cena do Rio de Janeiro. Foi Alcyr Guimarães, cantor e compositor que morreu em 2020, aos 68 anos, quem teve a ideia de reunir um coletivo para tocar o samba para além da festa popular e das escolas de samba.

O primeiro álbum do grupo, “Janela de Belém”, é uma pérola do samba brasileiro, trazendo ao gênero composições sobre outras vivências e também uma acentuação diferente no ritmo. Foi lançado em 1989, e no show no Psica seu LP foi exibido como um troféu por um fã que acompanhou a apresentação emocionado, colado ao palco montado na praça.

“É importante dizer que o Manga Verde parava Belém —na verdade, o estado todo”, diz Arthur Espíndola, referência do samba feito atualmente na capital paraense. “Eles enchiam sempre o Lapinha, que era a casa de shows mais importante da cidade.”

Conhecido como o templo da boêmia paraense, o espaço tinha como proprietário um carioca radicado em Belém chamado Alencar que, diz-se na cidade, tinha relação com o jogo do bicho. A casa, hoje fechada, marcou época oferecendo comida local, bebida e shows de strip-tease de vedetes —era também um bordel. O Manga Verde era a principal atração às quintas-feiras, afirma Espíndola, sempre lotadas.

Explicitamente influenciado pelo grupo, o sambista foi o primeiro entusiasta da reunião dos antigos sambistas. Os levou ao seu programa de TV, “Amazônia Samba”, para o único encontro que eles tiveram para tocar além do Psica.

Ele fez uma participação na apresentação do Manga Verde no festival. Cantou a música “Esse Rio é Minha Rua”, que traz no título uma expressão bastante repetida na capital paraense, e um refrão marcante: “Pois é, pois é/ Quem montou na cobra grande não se escancha em puraqué”.

A faixa, um carimbó tradicional, já tinha sido gravada por gente como Fafá de Belém, mas nas mãos do Manga Verde surgiu como um samba. O registro jogou luz para as conexões entre esses dois estilos musicais que possuem semelhanças tanto em termos de ritmo quanto de harmonia e estrutura.

O Manga Verde, diz Espíndola, foi o primeiro grupo da história a fazer essa mistura do samba com elementos do carimbó. “Hoje muita gente faz, inclusive eu, mas eles começaram”, afirma. “Além de gravar esse carimbó em estilo de samba, há questões musicais. A acentuação rítmica do samba do Rio de Janeiro, por exemplo, é no tempo dois, enquanto o carimbó é no um. É antecipar o acento. Samba e carimbó são primos.”

O segundo álbum do Manga Verde, “Fruto Sensual”, que recebeu o certificado de disco do ouro, já veio com novas influências —mais ligado ao samba de roda e com letras bem-humoradas. “Ele chegou num momento em que o samba ao redor do Brasil já estava em outro formato”, diz Ademir da Marcação. “O samba estava naquela coisa de letra com duplo sentido. E a gente para acompanhar teve que se adaptar ao sistema.”

Além da faixa-título, o álbum emplacou o sucesso “Vá Lavar o Siri”, uma das músicas que mais animaram a pequena plateia na Praça do Carmo. O lugar que recebeu o palco Kabana do Nêgo Gerson, parte do festival Psica, não recebeu muita gente, mas quem estava lá transbordou emoção —inclusive os músicos no palco, que foram às lágrimas e dividiram os microfones para defender um repertório como se a primeira, ou a última, vez na vida.

A performance mais marcante foi a de “Janela de Belém”, faixa do primeiro álbum que descreve uma relação tortuosa e bastante ciumenta com a cidade como se ela fosse uma amante. “Olê olá Belém/ Velha namorada/ Que me trai também”, diz o refrão, cantado em coro na reta final da apresentação de sexta.

“Essa poesia é uma declaração de amor”, diz Ademir da Marcação. “Quando diz que Belém é ‘mundana, que não pertence a ninguém’, é uma verdade, porque todo mundo que chega aqui —do Nordeste, Sul ou Sudeste— se apaixona por ela e acaba sendo uma namorada.”

O jornalista viajou a convite do Boticário, patrocinador do festival Psica

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