-6.6 C
Nova Iorque
segunda-feira, dezembro 15, 2025
No menu items!

Buy now

spot_img
No menu items!

Livro mapeia vida de Silviano Santiago entre Minas e mundo – 14/12/2025 – Ilustrada

O escritor Silviano Santiago, de 89 anos, já era um acadêmico respeitado quando lançou os romances “Em Liberdade”, em 1981, e “Stella Manhattan”, em 1985, que consolidaram sua reputação como um dos mais inventivos e provocadores ficcionistas brasileiros.

Romance epistolar sobre Graciliano Ramos, “Em Liberdade” lhe trouxe leitores e convites para palestras. Perdeu parte desses leitores e convites com “Stella Manhattan” —o enredo, que gira em torno de uma personagem trans, sofreu rejeição no Brasil homofóbico do século passado.

A trajetória de Silviano Santiago —que em 2022 recebeu o Prêmio Camões, o mais importante da literatura em língua portuguesa— é mapeada em “Presente do Acaso”, de João Pombo Barile.

É um livro difícil de definir. Não é uma biografia. Seu autor prefere chamar de “ensaio biográfico”. Lê-se, no entanto, como um longo perfil, no estilo da revista americana The New Yorker.

Barile entrevista Santiago várias vezes, garimpa suas cartas e arquivos pessoais, ouve amigos e parentes e alinhava tudo numa prosa jornalística construída como uma espécie de diálogo entre autor e personagem —um diálogo que nem sempre é fácil.

A discrição de Santiago é lendária no meio literário. Algumas das perguntas de Barile são respondidas com longos silêncios, devidamente registrados no livro, como pausas numa partitura musical. Santiago nasceu em Formiga, Minas Gerais, numa família de 11 irmãos que confirma os clichês da mineiridade: mistérios no passado, segredos no presente.

Barile contrasta a timidez de Santiago com a exuberância do principal coadjuvante do livro: o jornalista e produtor musical Ezequiel Neves, amigo da vida inteira do escritor mineiro.

Os dois se conheceram em Belo Horizonte na adolescência. Enquanto Santiago fazia carreira acadêmica na França e nos Estados Unidos, Neves se tornava crítico musical e produtor de várias bandas do rock brasileiro, entre elas Made in Brazil e o Barão Vermelho de Cazuza. O relacionamento manteve o escritor mineiro plugado no mundo da cultura pop.

“Presente do Acaso” recupera vários trechos da correspondência entre ambos. Santiago enviava a Neves os últimos lançamentos musicais dos Estados Unidos —uma carta menciona o primeiro compacto de “Like a Rolling Stone”, de Bob Dylan—, o que contribuiu para a carreira do crítico e produtor numa época em que era difícil acessar a produção musical estrangeira.

Depois da morte de Neves, em 2010, Santiago escreveu um livro inspirado na amizade que os dois mantiveram, “Mil Rosas Roubadas”, publicado em 2014.

Em um trecho de “Presente do Acaso”, Santiago diz a Barile que toda biografia deveria partir de um momento-síntese da vida do biografado, “um período de sua existência que possa servir de chave para sua trajetória”.

Para Barile, esse momento poderia ser a época em que Santiago viveu em Nova York no final dos anos 1960, quando presenciou o movimento dos direitos civis, conviveu com artistas como Hélio Oiticica e viveu seu relacionamento afetivo mais duradouro com um cidadão da República Dominicana.

“Stella Manhattan” remete a esse período. O protagonista do livro se baseia em um amigo de Santiago, Agostinho Armando de Carvalho, um brasileiro trans que se tornou mordomo de S.I. Newhouse, o dono da editora Condé Nast, que até hoje publica as revistas Vogue e The New Yorker. No romance, o personagem guia o leitor pelas subculturas queer e latina de uma Nova York múltipla e vibrante.

Em sua obra ficcional e na ensaística, que inclui textos que se tornaram referência na literatura acadêmica, Santiago sempre foge do tom panfletário. A força política de seu trabalho, concordam biógrafo e biografado, está na observação sofisticada de questões comportamentais, especialmente em temas relacionados a sexualidade e imigração.

Santiago não se furta, no entanto, a tratar do autoritarismo militar brasileiro, ainda que de forma indireta. Ambientado na época de Getúlio Vargas, “Em Liberdade” foi motivado pela prisão de Haroldo Santiago, irmão do autor, durante a ditadura de 1964. Outro de seus irmãos, o ator Rodrigo Santiago, morreu em 1999 em decorrência da Aids, mal que vitimou vários amigos de Silviano e também aparece em sua obra.

O perfil biográfico feito por Barile mostra que o universo do escritor não se nutre apenas da trajetória cosmopolita, mas também do retorno constante aos segredos e silêncios de uma família do interior de Minas Gerais.

Related Articles

Stay Connected

0FansLike
0FollowersFollow
0SubscribersSubscribe
- Advertisement -spot_img

Latest Articles