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João Gilberto surge como síntese da história da bossa nova – 13/12/2025 – Ilustrada

A entrevista que o jornalista carioca Tárik de Souza fez com João Gilberto em 1971, para a revista “Veja”, é um dos episódios que recheiam um dos livros mais ambiciosos da crítica musical recente. E a ambição é bem-sucedida. “João Gilberto e a Insurreição da Bossa Nova” é uma obra extensa, que reconta boa parte da história da música brasileira, tendo como fio condutor a bossa nova e seu maior representante.

O autor dedica dezenas de páginas a um jorro de informações sobre artistas e discos que desde o começo do século passado contribuíram para a construção da identidade musical do país. Mostra sua influência na bossa nova e, em seguida, todas as consequências estilísticas que o gênero inseriu na música mundial até os dias de hoje.

“A ideia era provar a importância da bossa nova através de fatos, para não ficar na coisa opinativa”, explica o autor. “Antes da bossa nova, teve gente que mexeu muito na música brasileira, gente que trouxe acordes dissonantes, progressões que não existiam antes. Você pega Dorival Caymmi, Custódio Mesquita, Vadico, vários e vários músicos, o próprio Ary Barroso, foram pessoas que já foram mexendo. A bossa nova unificou isso, e o João Gilberto foi a unificação.”

Essa verdadeira floresta genealógica da música popular abre os olhos para que as pessoas entendam que João Gilberto não tirou a bossa nova do bolso quando lançou o álbum “Chega de Saudade”, em 1958. “João fez a síntese, e esse é o motivo do sucesso dele. E ele era muito carismático. Mas muitos ajudaram. Johnny Alf conseguiu fazer o ponto de fusão entre o samba e o jazz. Todo mundo ia assistir ao Johnny Alf. Tom Jobim, o próprio João, João Donato também ia, o (Roberto) Menescal. Todo mundo querendo saber como ele tinha conseguido fazer aquilo. A partir daí, essas pessoas foram desenvolvendo sua própria linguagem.”

Tárik de Souza conta que, quando João Gilberto apareceu, Roberto Menescal ouviu e começou a desenvolver sua própria linguagem no violão. O mesmo acontece com Carlinhos Lyra. “Aí aparece um sujeito chamado Baden Powell, o maior violonista do mundo! Entra no meio da bossa nova e faz coisas fantásticas. Aí você pensa: ‘Bom, surgiu o Baden Powell e agora acabou’. Não, chegam Rosinha de Valença, Luiz Bonfá, Marcos Valle, Sérgio Mendes, Amilton Godoy, todos músicos incríveis e bem-preparados. Jorge Ben criou uma coisa que não existia, mas que a bossa nova soube absorver. Houve avanço, transformação, mudança. Ela não ficou parada no mesmo lugar.”

A conexão afro é fundamental na bossa nova. “Muita gente até falou que a bossa nova embranqueceu o samba. Isso é uma estupidez. Como você vai embranquecer uma música misturando dois gêneros negros o samba e o jazz?” Ele aponta para “Kaô Xangô”, gravada por Johnny Alf, que é um ponto de macumba. “É a música negra dentro da bossa nova. As pessoas é que não souberam ver. Tem uma entrevista com o Tom Jobim no livro em que ele diz que, com ‘Água de Beber’, ele e o Vinicius queriam fazer música negra.”

A presença negra na bossa nova não é o único ponto preconceituoso que o livro quer desmistificar. Ele mostra que o gênero foi muito popular desde o início, rejeitando o rótulo de música sofisticada, para elites. “Logo que apareceu a bossa nova, chegou aos cinemas uma chanchada, na época a coisa mais popular na cultura de massa. E o filme se chamava ‘Pistoleiro Bossa Nova’, com o Carlos Lyra cantando! Bossa nova estava na moda.”

Muitos quiseram surfar na onda da bossa nova. “Wilson Simonal, ídolo popular, foi um cara aceito dentro da bossa nova, porque ele cantava para caramba, era espetacular. Por outro lado, o Erasmo Carlos não foi aceito e ficou a vida inteira pichando a bossa nova, dizendo que era coisa de elitista. Mas era porque ele não se encaixou. Acabou partindo para o samba-rock, com ‘A Pescaria’, ‘Coqueiro Verde’, aquelas músicas dele. Alguns não entraram, mas não por elitismo.”

Tárik de Souza fecha a obra com depoimentos e entrevistas de artistas sobre o movimento. Algumas escolhas são inevitáveis, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, mas o autor guarda uma última surpresa ao eleger alguns nomes inesperados, como Emicida, Arrigo Barnabé e Jards Macalé.

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