À medida que a Paramount levava adiante sua tentativa, que durou meses, de adquirir a Warner Bros. Discovery, a empresa insistia em apontar um trunfo que dizia ter na manga: Larry Ellison, o bilionário pai do CEO da Paramount, David Ellison.
“Estamos colocando à disposição recursos garantidos por uma das famílias mais ricas do mundo”, escreveu a Paramount em uma de suas seis cartas enviadas à Warner Bros. Discovery, segundo documentos apresentados a reguladores na segunda-feira.
Mas, nos bastidores, dúvidas sobre o real alcance do apoio financeiro de Ellison foram um dos fatores que pesaram na decisão da Warner Bros. de optar pela Netflix, disseram duas pessoas familiarizadas com as deliberações.
Larry Ellison tem um patrimônio estimado em cerca de US$ 273 bilhões, acumulado principalmente por meio de sua participação na gigante de software Oracle, que hoje tem valor de mercado próximo de US$ 630 bilhões. Ainda assim, o conselho da Warner Bros. Discovery se mostrou preocupado com o fato de Ellison não ter dado uma garantia pessoal para a proposta feita em seu nome e de planejar aportar capital por meio de um fundo, cujos ativos poderiam ser alterados a qualquer momento.
Segundo essas pessoas, a Warner Bros. Discovery temia ter pouca margem de ação caso a proposta da Paramount desmoronasse.
Na semana passada, a Warner Bros. Discovery anunciou que venderia grande parte de seus negócios à Netflix por US$ 83 bilhões, considerando essa proposta superior à oferta da Paramount para adquirir a empresa inteira. Ao fazer essa avaliação, o conselho da Warner Bros. Discovery concluiu que o acordo com a Netflix oferecia mais valor aos acionistas e maior grau de segurança.
A Paramount tem valor de mercado em torno de US$ 15 bilhões, uma fração do tamanho da empresa que tenta adquirir. Além disso, carrega uma dívida aproximadamente equivalente ao seu patrimônio líquido e possui classificação de crédito um degrau abaixo do chamado “grau especulativo”. Isso torna o financiamento vindo de Ellison e de outros parceiros essencial para a proposta, que também inclui US$ 54 bilhões em dívida.
A Netflix é um gigante do setor, vale cerca de US$ 420 bilhões e tem crédito considerado seguro pelo mercado. Para financiar sua oferta, a gigante do streaming planeja usar mais de US$ 10 bilhões em caixa, além de parte de suas ações e empréstimos obtidos junto a um grupo de bancos.
Com sua proposta rejeitada, agora espera-se que a Paramount inicie uma batalha prolongada para tentar adquirir a Warner Bros. Discovery e convencer os acionistas de que o conselho cometeu um erro. Se um número suficiente de acionistas apoiar a Paramount, isso colocaria pressão sobre o conselho da Warner Bros. Discovery para aceitar sua oferta.
O grau em que os acionistas compartilham das preocupações da empresa em relação ao financiamento da Paramount deve influenciar se, no fim das contas, eles ficarão do lado da Netflix ou da Paramount.
Para os acionistas, o foco principal provavelmente será decidir se vender a empresa inteira para a Paramount é mais vantajoso do que vender apenas parte do negócio para a Netflix e desmembrar a operação de TV a cabo como uma empresa independente.
Em uma carta enviada aos acionistas na quarta-feira, a Paramount expôs seus argumentos e rebateu questionamentos sobre seu financiamento.
“Sugerir que não somos ‘bons pagadores’ (ou que poderíamos cometer fraude para tentar escapar de nossas obrigações)” é “absurdo”, afirmou a Paramount. “Esse absurdo fica ainda mais evidente pelo fato de que a WBD e seus assessores jamais telefonaram, enviaram uma mensagem de texto ou e-mail para levantar qualquer dúvida, preocupação ou pedido de esclarecimento sobre o fundo ou sobre nossos documentos de compromisso de capital.”
Um porta-voz da Warner Bros. Discovery afirmou que “o conselho e a empresa conduzem há meses um processo justo e transparente com cada um dos proponentes, incluindo amplas oportunidades de diligência e negociação”.
Embora não haja muitos exemplos de aquisições financiadas por bilionários para comparação, a tentativa de Elon Musk de comprar o Twitter incluiu uma garantia pessoal, observou Jim Woolery, advogado que já assessorou diversas disputas desse tipo e fundador da consultoria Woolery & Co.
“Os acionistas vão pressionar a Warner a dialogar —mas também vão pressionar a Paramount a apresentar mais provas de capital”, disse Woolery.
Como a Warner Bros. Discovery já rejeitou a proposta da Paramount, especialistas jurídicos avaliam que é pouco provável que a empresa volte a negociar nos mesmos termos. O acordo com a Netflix impede a Warner Bros. Discovery de buscar outras propostas sem pagar uma multa elevada. No entanto, se a Paramount elevar sua oferta, isso pode mudar o cenário. A empresa já informou à Warner Bros. Discovery que sua proposta mais recente não é a “melhor e final”.
As ações da Warner Bros. Discovery subiram quase 14% desde que a Paramount lançou sua oferta hostil, sinalizando que investidores apostam que a Paramount ainda deve aumentar o valor proposto.
De acordo com as cartas de oferta, a Paramount afirmou que o Lawrence J. Ellison Revocable Trust e a gestora de private equity RedBird Capital Partners arcariam com os US$ 40 bilhões em capital próprio exigidos pela operação, além de receber aportes de outros parceiros.
Esses parceiros adicionais não foram nomeados, mas, segundo propostas anteriores tornadas públicas na segunda-feira, fundos soberanos do Oriente Médio contribuiriam com cerca de US$ 24 bilhões, junto com gestoras de investimento como a Affinity Partners, de Jared Kushner. Caso esses outros parceiros não se concretizem, o trust de Ellison arcaria com a totalidade dos US$ 40 bilhões.
O conselho se mostrou preocupado com o fato de o trust ser revogável —ou seja, quem o administra pode alterá-lo a qualquer momento— e queria estabelecer um limite de US$ 2,8 bilhões para eventuais indenizações caso a Paramount não cumprisse suas obrigações contratuais, disseram as fontes.
O império de Ellison também enfrenta certa pressão. As ações da Oracle —principal fonte de sua fortuna— fecharam em queda de quase 11% na quinta-feira, após a divulgação de resultados que ampliaram preocupações sobre suas apostas em inteligência artificial. Mesmo assim, os papéis ainda acumulam alta de cerca de 20% no ano.
A Netflix, por sua vez, enfrenta seus próprios desafios ao tentar comprar a Warner Bros. Discovery. A empresa já concordou em assumir quase US$ 60 bilhões em dívida para financiar a aquisição e pode resistir a contrair ainda mais endividamento para rebater eventuais aumentos na oferta da Paramount. As ações da Netflix caíram cerca de 4% nos últimos cinco dias, reduzindo o valor de sua proposta em dinheiro e ações.
“A Netflix tem crescido muito por conta própria e o preço é enorme”, afirmou Dave Novosel, analista sênior da Gimme Credit, ao expressar preocupação com o volume de dívida que a empresa está assumindo para fechar o negócio.
Novosel rebaixou sua recomendação para a dívida da Netflix para desempenho inferior ao mercado.



