A COP30 marcou uma inflexão silenciosa na política climática internacional. Pela primeira vez, o cuidado foi incorporado formalmente aos marcos decisórios do regime global do clima.
De acordo com Georgia Haddad Nicolau, especialista em estudos do cuidado e diretora do Instituto Procomum, cuidado diz respeito aos serviços públicos, à proteção social e ao trabalho cotidiano que sustenta a vida, do atendimento em saúde à alimentação, da educação ao acolhimento comunitário.
A inclusão da economia do cuidado no Programa de Trabalho de Transição Justa da COP e no Marco de Gênero Ampliado de Belém sinaliza uma mudança de paradigma. Enfrentar a emergência climática exige mais do que tecnologia, inovação verde e infraestrutura física. É fundamental estruturar sistemas capazes de proteger pessoas antes, durante e depois dos eventos extremos.
Durante décadas, resiliência climática foi associada a obras, metas de mitigação e soluções técnicas. Mas enchentes, secas e ondas de calor sobrecarregam também os sistemas de saúde, educação, assistência social e alimentação.
Então as necessidades cotidianas das pessoas atingidas, principalmente as mais vulneráveis, recaem sobre redes comunitárias e trabalho de cuidado não remunerado, feito majoritariamente por mulheres negras, indígenas e periféricas.
O relatório “Centering Care in Climate Finance”, da economista jamaicana Mariama Williams, financiado pelo IDRC, centro público canadense de fomento à pesquisa para o desenvolvimento, ajuda a dimensionar a situação.
O estudo mostra que, embora a crise climática pressione diretamente serviços essenciais, menos de 5% do financiamento internacional de adaptação é destinado à saúde, e cerca de 2%, à educação.
A base material da resiliência continua fora das prioridades de investimento, apesar de sustentar a sobrevivência das populações mais expostas.
A proposta central do estudo é tratar sistemas de cuidado como infraestrutura climática. Serviços de saúde territorializados, educação integral, redes de proteção social, alimentação escolar e equipamentos comunitários reduzem perdas humanas, evitam deslocamentos forçados e ampliam a capacidade de adaptação. São, portanto, estruturas sem as quais as demais políticas públicas não funcionam.
Alguns países começaram a traduzir esse entendimento em compromissos formais. O México lançou sua NDC 3.0 (Contribuição Nacionalmente Determinada) trazendo referências explícitas ao cuidado, especialmente no eixo de adaptação, conectando política climática e proteção social.
O Camboja também aparece entre os primeiros a incluir o tema em seus planos nacionais, experiência apresentada oficialmente durante a COP30.
O avanço ganhou visibilidade institucional com a criação do Pavilhão dos Cuidados, que reuniu governos, organizações e pesquisadores para discutir clima, gênero e justiça social. Pela primeira vez, o cuidado deixou de ocupar um lugar periférico nas negociações internacionais. Mas ainda está fora da disputa por recursos. O Programa de Trabalho de Adaptação, por exemplo, não menciona o cuidado.
Resiliência depende, sobretudo, de sistemas capazes de proteger vidas. E essa certeza precisa estar não apenas nos debates políticos, mas nas ações concretas.
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