Quando perguntaram ao escritor Jorge Luis Borges o que ele achava da Guerra das Malvinas —deflagrada em 1982 pela invasão argentina—, o autor de “O Aleph” respondeu: “São dois homens carecas lutando por um pente”. A frase sintetiza a crítica de Borges à decisão da junta militar.
O conflito, fabricado pelo ditador argentino Leopoldo Galtieri, tinha um único propósito: tentar recuperar a legitimidade de um regime (1976-1983) cada vez mais impopular, incapaz de lidar com a inflação explosiva e a deterioração econômica.
Mas o tiro saiu pela culatra. A derrota acelerou o fim da ditadura militar e alimentou a revolta da sociedade, que já contabilizava milhares de mortos e desaparecidos e somou à lista os 649 jovens caídos no Atlântico Sul.
Para as ilhas, porém, a guerra funcionou como um ponto de virada. As Malvinas, oficialmente Falklands, até então um território distante e pouco lembrado pela Coroa, passaram a receber atenção redobrada de Londres. Hoje, têm status de Estado associado e dependem dos britânicos apenas na área de defesa.
O restante funciona como um pequeno país próspero, cuja riqueza vem da concessão de licenças de pesca em águas riquíssimas e do turismo. A média da renda familiar é de £ 49 mil (R$ 355 mil) ao ano.
Mais de 40 anos depois, as ilhas são um lugar distinto daquele que emergiu do pós-guerra. A memória do conflito está por toda parte —nos memoriais, nos museus, nos monumentos e até num grande busto de Margaret Thatcher na principal avenida de Port Stanley.
Mas os habitantes parecem cansados do tema. O foco, agora, é manter e ampliar o excelente padrão de vida dos cerca de 3.660 moradores, numa rotina tranquila.
Os serviços públicos ajudam a explicar esse conforto. Saúde e educação são gratuitas. O mesmo vale para a educação superior: os jovens estudam até o fim do ensino médio na ilha e têm vagas garantidas em universidades britânicas, financiadas de forma integral. Não há pessoas em situação de rua, e a pequena prisão registra apenas seis detentos por crimes menores. Não ocorre um homicídio há mais de quatro décadas.
Na semana passada, o arquipélago elegeu seu novo Parlamento, composto por oito integrantes. Ao contrário do que ocorre na maior parte do mundo, a ideologia não teve peso algum.
Não existem partidos políticos; todos os candidatos são independentes. O eleitor vota mais na pessoa do que nas plataformas. As campanhas discutiram apenas temas práticos: infraestrutura, políticas de imigração e como reduzir o custo elevado da construção civil. Uma singular democracia em miniatura.
Comparadas a visitas anteriores, as ilhas estão ainda mais diversas. São habitadas por mais de 68 nacionalidades. Há cidadãos nativos, já em oitava geração, britânicos, chilenos —beneficiados por incentivos desde que o regime de Pinochet apoiou o Reino Unido na guerra—, filipinos e africanos. O turismo é impulsionado por cruzeiros semanais.
A calmaria atual também tem relação direta com a política argentina. O presidente Javier Milei praticamente ignora o tema das Malvinas.
Embora a Constituição determine que todos os mandatários defendam a soberania argentina das ilhas, Milei limita-se a menções breves e protocolares. Isso contrasta com a retórica do kirchnerismo, que havia retomado a lógica hostil.
A jornalista viajou a convite da embaixada britânica no Brasil
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