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Livro mostra como a Playboy redefiniu o que é ser homem – 13/12/2025 – Ilustrada

Em uma noite de 2001, o filósofo espanhol Paul Preciado ligou a TV. Estava com insônia. Na tela, Hugh Hefner, fundador da revista Playboy, aparecia de pijama falando sobre como o homem tinha que conquistar o espaço doméstico. Preciado, também de pijama, não dormiu mais.

No dia seguinte, enfurnou-se em uma biblioteca de Nova York e se pôs a ler as primeiras edições da revista, lançada em 1953. Nas duas semanas que passou ali, surpreendeu-se em ver que a Playboy tinha tantas fotos de arquitetura e design quanto de mulheres peladas.

Daquela constatação saiu sua tese de doutorado em arquitetura, defendida na prestigiosa universidade americana Princeton. O trabalho se desdobrou no livro “Pornotopia”, lançado em 2010 em espanhol, em 2014 em inglês e agora em português, em tradução de Denise Bottmann.

A chegada do ensaio ao Brasil coincide com sua crescente popularidade. Homem trans, Preciado é uma referência nos estudos queer, de gênero e de sexualidade. É conhecido, em especial, pelo livro “Testo Junkie”, em que narra a experiência de se automedicar com testosterona.

Preciado mostra, em “Pornotopia”, que Hefner e sua revista transformaram a noção do que significa ser um homem nos Estados Unidos e no mundo. O Brasil, diga-se de passagem, foi um dos primeiros países a ter sua própria versão da Playboy, em 1975 —a empreitada durou até 2018.

A tese central de Preciado é de que a Playboy promoveu uma mudança radical no conceito de masculinidade durante a Guerra Fria. O ideal até então era o do homem casado que morava no subúrbio. A ousada revista de Hefner, entretanto, vendia uma outra possibilidade: o homem solteiro.

Não apenas solteiro, aliás, mas doméstico. Ele já não precisava estar no espaço público nem demonstrar sua masculinidade fazendo coisas como caçar animais na floresta. Em vez disso, o playboy de Hefner morava sozinho em um apartamento bacana. De preferência, em uma cobertura.

Daí todas as fotografias de design de interiores e móveis, assim como a glamourização da famosa “mansão Playboy” de Hefner. Preciado vai ainda mais longe e sugere que as imagens de mulheres peladas eram secundárias na Playboy, incluídas ali quase que para garantir que não fosse uma revista feminina ou, pior ainda para Hefner, uma revista gay.

O apartamento desse novo homem, o playboy, tinha de ser bem decorado e incluir equipamentos de última geração. Preciado mostra, também, que muitos desses apetrechos eram giratórios, como as poltronas e as camas. O design construía um espaço doméstico eficiente. A meta era seduzir mulheres para passarem a noite —e facilitar sua partida no dia seguinte.

Essas não eram mensagens das entrelinhas. A revista discutia abertamente sua ideologia, sugerindo que as mulheres tinham roubado o espaço doméstico e expulsado o homem dele. Cabia ao playboy retomar o que era seu e, como Hefner, até passar os dias na poltrona, de pijama.

Preciado diz que o discurso de Hefner coincidia com o das feministas e, em certa medida, até o antecipava. Os dois campos negavam a ideia de que a casa é o habitat natural da mulher. Só que, na visão da Playboy, a mulher ficava sem habitat. Tanto o espaço público quanto o doméstico eram direito do homem para se divertir com quantas mulheres quisesse.

A revista também redefiniu essa mulher. Já não era a esposa suburbana e tampouco a prostituta. Nas páginas da Playboy, sobressaía-se a vizinha, em um misto de ingenuidade e sedução, e sempre disponível. Isso explica, em parte, as fotos eróticas de mulheres em espaços domésticos, surpreendidas, por exemplo, passando o aspirador nuas ou só de calcinha.

Os eletrodomésticos propagandeados pela revista eram tão eficientes, segundo Preciado, que conseguiram até tirar a mulher da cozinha —justo esse que era um dos símbolos da vida suburbana de meados do século 20. A mulher virou só uma “espectadora num teatro da masculinidade”.

O livro de Preciado é sofisticado e bem embasado. Transparece a influência dos seus mentores: o francês Jacques Derrida e a húngara Ágnes Heller, que conheceu nos Estados Unidos. Do francês Michel Foucault, Preciado aproveita a teoria sobre a natureza dos mecanismos de poder.

Contudo, com tantas referências costuradas em um texto um bocado acadêmico, o texto exige bastante atenção (e às vezes paciência) do leitor.

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