Dominados por um clima de medo da violência, os chilenos decidem neste domingo (14) entre dois caminhos opostos para o país.
De um lado, José Antonio Kast tenta, pela terceira vez, a Presidência, com um discurso linha-dura contra o crime e a imigração; do outro, Jeannette Jara busca manter a centro-esquerda no poder sem parecer uma continuação da gestão de Gabriel Boric.
O cenário eleitoral no país é curioso: no primeiro turno, em 16 de novembro, Jara venceu com 26,9% dos votos, e Kast ficou em segundo lugar, com 23,9%.
No segundo turno, a situação se inverte, e Kast lidera as pesquisas de intenção de voto, podendo sair vencedor das primeiras eleições presidenciais e parlamentares com voto obrigatório desde uma mudança ocorrida na legislação.
Dados agregados de quatro consultas eleitorais, compilados pela ferramenta Radar Electoral (do Instituto Res Publica), apontam que Kast liderava as intenções de voto até o fim de novembro —antes da proibição de divulgação de pesquisas. Ele tinha 48%, e Jara aparecia com 34%. Havia, no entanto, 18% de indecisos.
Um relatório da Directorio Legislativo —organização que acompanha as democracias na América Latina— indica que a eleição parece favorável para Kast, já que os derrotados Johannes Kaiser (Partido Nacional Libertário) e Evelyn Matthei (Chile Vamos) manifestaram apoio a ele no segundo turno.
É que, diferentemente da centro-esquerda, que realizou primárias em junho para definir que Jara encabeçaria uma candidatura do campo governista, a direita chegou dividida às urnas em novembro.
Em um país que viu coalizões de centro-direita e centro-esquerda se alternarem para governar desde a volta da democracia, os eleitores se depararam em 2025 com um aumento dos discursos antipolítica e uma campanha com poucas propostas para educação, saúde ou Previdência.
As campanhas dos candidatos que pretendem governar o Chile a partir de 2026 foram centradas na decepção com promessas inconclusas do governo Boric e na sensação de aumento da insegurança —ainda que os números sejam baixos para a região—, uma fonte de preocupação crescente no país.
Favorito neste domingo, Kast é um ex-deputado do Partido Republicano com opiniões conservadoras, que rompeu no passado com a direita tradicional e agora tenta se apresentar como alguém que pode transformar o Chile.
Ao associar o problema da insegurança ao aumento da imigração, sobretudo de venezuelanos, ele promete expulsar os estrangeiros em situação irregular e instalar uma política linha-dura contra o crime organizado. Em seus comícios, discursou protegido por um vidro blindado.
Ainda assim, em comparação com suas tentativas anteriores, desta vez ele moderou seu discurso. O advogado de 59 anos evitou entrar em questões de direitos humanos, casamento igualitário ou a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), afirmando que os chilenos têm problemas mais urgentes. Sua promessa principal nesta campanha foi criar um “governo de emergência” para enfrentar a criminalidade.
Do outro lado está Jara, ex-ministra do Trabalho, de 51 anos, que promoveu a redução da jornada laboral e uma reforma previdenciária e promete deixar a militância do Partido Comunista, caso seja eleita. Ela, que é advogada e administradora pública, defende políticas pela redução da desigualdade e um Estado forte.
A esquerdista declarou que, em um eventual governo seu, o crime organizado encontrará um Estado forte e pronto para desarmar e prender criminosos, prometendo determinar uma série de ações policiais logo nos primeiros dias de mandato.
Também afirmou que irá adotar propostas de candidatos derrotados, como a eliminação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) sobre medicamentos, de Franco Parisi (Partido Popular), um fenômeno nas redes sociais que tem apelo no norte do país e que ficou em terceiro lugar no primeiro turno.
Até o fim da campanha, os dois candidatos tentaram atrair os quase 20% que votaram em Parisi em novembro. “Trata-se de um voto ideologicamente diverso, mas com um forte componente de descontentamento, sentimento antiestablishment e grande preocupação com a segurança e a economia”, diz a Directorio Legislativo.
Parisi decidiu não apoiar Kast ou Jara no segundo turno, após uma consulta interna do partido. Ainda assim, 20% dos participantes expressaram preferência por Kast, e apenas 2% optaram por Jara.
A governista e o opositor chegam neste domingo com desafios distintos para conquistar os votos dos indecisos na corrida pelo Palácio de La Moneda.
Enquanto Jara precisa se distanciar do governo e do Partido Comunista para ter chances de vitória, Kast precisa unificar a direita e transformar o voto de protesto em um voto de confiança, diz Mauro Basaure, sociólogo e professor titular da Universidade Andrés Bello.
“Sem uma narrativa convincente de autoridade democrática e capacidade de governar —não apenas de proteção social—, Jara permanece presa à associação com um governo percebido como fraco diante do crime organizado.”
No caso de Kast, o sociólogo avalia que, embora o candidato tenha se esforçado em moderar seu discurso, continua carregando o fardo de ser percebido, tanto nacional quanto internacionalmente, como de ultradireita, com uma imagem incompatível com o pluralismo democrático.
“Seu desafio, portanto, é passar uma imagem mais moderada sem perder a identidade: convencer a maioria amedrontada de que ele pode garantir a ordem sem se tornar uma ameaça aos direitos, às minorias e às regras do jogo democrático.”
No Legislativo, a situação vai ser mais confortável para um eventual governo à direita do que uma continuidade da esquerda, ainda que nenhuma das forças tenha atingido a maioria nas duas Casas.



