Plantas e flores se ramificam em estruturas de ferro que atravessam a sala de Lina Bo Bardi. É como se a floresta tropical que ronda a casa da emblemática arquiteta ítalo-brasileira, em São Paulo, tivesse finalmente conseguido invadir o espaço, penetrando suas vidraças.
A tensão que paira sobre a natureza domesticada —e seu possível descontrole a qualquer momento— é tema do trabalho de Camille Henrot, artista francesa que expõe suas ikebanas na Casa de Vidro, residência projetada pela própria Lina em 1950.
Ikebana é a técnica japonesa dos arranjos florais. Mais do que manipular plantas por prazer estético, a prática com raízes budistas reflete sobre a harmonia entre humanos e a natureza. Henrot estudou a escola de Sogetsu, fundada em 1927 por Sofu Teshigahara, defensor de que os arranjos poderiam ser feitos “a qualquer hora, em qualquer lugar, por qualquer pessoa”.
A francesa começou a criar os arranjos quando se mudou para Nova York, e seus pertences, incluindo livros e materiais, ficaram perdidos em uma mala desviada. Ela encontrou um livro sobre a tradição japonesa e decidiu transformar as flores em material para fazer arte.
Henrot passou a traduzir reflexões de seus autores favoritos em arranjos —entre eles, Clarice Lispector. O conceito de “fluxo da vida”, usado para definir o estilo da autora, que usava os pensamentos de seus personagens como motor para as narrativas, dá nome a exposição.
Em um dos arranjos, por exemplo, apenas os talos de rosas cheios de espinhos saem de dentro de pires, xícaras e bules. A obra se relaciona com “A Paixão Segundo G.H.“, em que a protagonista, uma escultora, não consegue desenvolver sua criatividade, ao mesmo tempo em que quer controlar o ambiente ao seu redor. Com os espinhos, Henrot reflete sobre a impossibilidade de se manter vigilante sobre tudo, e quanto a alienação por tarefas automáticas, especialmente no caso das mulheres, pode ser prejudicial.
A ideia de descontrole também está presente em “Grosse Fatigue”, trabalho de Henrot que popularizou seu nome no mundo da arte após a vitória do Leão de Prata na Bienal de Veneza, na categoria de artista promissor, em 2013. O vídeo, transmitido em uma tela na Casa de Vidro, narra a criação do universo misturando ciência e religião, imagens cotidianas e itens do Smithsonian, museu em Washington, nos Estados Unidos, onde ela estudou —e hoje uma das instituições que mais vem sofrendo represálias ligadas à ofensiva de Donald Trump contra o setor cultural.
No trabalho de Henrot, o caos da vida sobressai. “A atividade de um museu é um pouco como uma neurose”, diz ela, andando pela sala que um dia foi de Lina, repleta de objetos colecionados pela arquiteta —de quadros e esculturas a galhos de árvores e santos católicos. Henrot gosta da mistura e diz que a acumulação faz parte de seu processo criativo.
Como “Grosse Fatigue”, “Egyptomania”, outro vídeo exibido num televisor de tubo, revisita o papel de um museu na catalogação de objetos. A gravação mostra vários itens relacionados ao Egito antigo, de esculturas milenares a bugigangas como chaveiros de faraós e múmias.
É como se a artista utilizasse a bagunça para escancarar como os métodos mais confiáveis de organizar o mundo podem, na realidade, ser falhos —isso vale para instituições como museus, mas também para teorias amplamente difundidas, como o Big Bang e a existência de Deus.
Analisar os limites do controle frente aos vários estímulos da vida contemporânea se relaciona, de certa forma, à filosofia de Lina. Quando questionada sobre “o que vem primeiro, casas ou museus?”, a arquiteta respondeu que “tudo deve vir ao mesmo tempo”. Para a geração de Henrot, a angústia de lidar com as possibilidades da vida se intensificou graças ao caos algorítmico das redes sociais.
A artista, porém, entende seu trabalho como uma espécie de inteligência artificial que pesca várias referências de fontes diferentes e as agrupa em uma coisa só —na tentativa de responder a alguma questão existencial.



