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Análise: Trump enterra pós-guerra com texto contraditório – 13/12/2025 – Mundo

A vigésima edição da Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos é um documento caudaloso nas palavras e econômico no tamanho: em 33 páginas infusionadas com populismo e contradições, ele propõe o enterro da ordem estabelecida após o fim da Segunda Guerra Mundial, há 80 anos.

Editado pela administração Donald Trump quase silenciosamente no dia 5 passado, o texto provocou choque justificado na Europa e na América Latina, além de elogios em locais antes impensáveis: Moscou e Pequim.

Na única estratégia de seu primeiro mandato, em 2017, Trump ainda chamava Rússia e China de inimigos ativos contra os EUA.

Agora, os chineses são parceiros econômicos necessários, em um capítulo notavelmente sóbrio do texto, que reconhece o fracasso da abordagem que acreditava na ocidentalização de Pequim via comércio. Taiwan recebe um tratamento discreto, com os EUA rejeitando soluções de força da China, mas priorizando medidas dissuasórias no lugar de ofensivas.

Para o presidente que lançou a Guerra Fria 2.0 contra Xi Jinping no mesmo 2017, é uma mudança e tanto. Ela precisa passar pelo teste da realidade, e o embate recente entre China e Japão é a primeira parada desse trem.

A estratégia soa correta ao dizer que o que importa para os EUA é o interesse americano. Mas são os detalhes que chamam a atenção: ser pragmático sem pragmatismo, ter princípios rejeitando idealismo, optar por força militar sem ser militarista.

É uma salada incoerente que mira situações pontuais e de curto prazo, em consonância com o Projeto 2025, o ideário populista-conservador que norteia a ala ideológica da gestão Trump.

O mais importante, em especial para os inimigos, é o abandono das oito décadas de liderança com base em um discurso de valores democráticos comuns. Soava como balela às vezes, mas a disputa com a União Soviética na Guerra Fria era ideológica: os EUA temiam a expansão do comunismo.

Por isso foram às vias de fato nos atoleiros da Coreia e do Vietnã, por exemplo. Agora, o elemento ideológico num documento cheio de ideologia é extirpado: o comunismo chinês, criticado antes, some.

O novo norte é o lucro. Nesse sentido, a ênfase no “America First” (EUA em primeiro lugar) ganha contorno de política externa, com a defesa do controle de cadeias produtivas e materiais críticos. Se a forma de obter isso é discutível, como objetivo é bem razoável se você for americano.

Já se você morar na América Latina, o documento beira uma declaração de guerra. Por um lado, outra contradição é vista quando o texto pede que os EUA deixem de ser o policial do mundo, numa ironia dada que essa era a bandeira da esquerda americana nos anos 1970, mas decreta o “Corolário Trump à Doutrina Monroe”.

O termo macaqueia o “Corolário Roosevelt” de 1904, quando o então presidente, Theodore Roosevelt, anunciou que implementaria a Doutrina Monroe de quase um século antes à base do porrete.

A doutrina dizia que os EUA cuidariam do seu quintal estratégico, e os europeus, do deles. Mas na sua origem, ela não era executada com canhões porque os americanos tinham poucos. Quando eles ficaram abundantes, veio uma longa história de intervencionismo.

Trump quer ser esse Roosevelt, como a escalada militar para derrubar Nicolás Maduro prova. Promete prosperidade a aliados que o sigam, colocando o Brasil de Lula (PT), que namora uma normalização com Trump, em peculiar condição. Em casa, o republicano pede fronteiras fechadas e xenofobia.

A Europa é outro foco crítico, em que a ideologia toma a dianteira desta vez contra os aliados. O continente é castigado por ter “lideranças fracas” e flertar com o “apagamento civilizacional” dada a influência da imigração e da “cultura woke”.

O texto prega apoio a partidos de extrema direita que lutem contra a leniência percebida na União Europeia. A Otan já vem sendo admoestada há meses. Não por acaso, a reação dos líderes continentais foi a pior desde que o vice-presidente J.D. Vance fez um discurso em Munique com o mesmo teor em fevereiro.

Na prática, quem deve pagar é a Ucrânia. Em nome do ambiente de negócios, o documento sugere o fim rápido para a guerra iniciada pela Rússia e “restabelecer o equilíbrio estratégico” com Moscou. Vladimir Putin pode sorrir, ao menos até ver que seu país não é tratado como superpotência, e sim como mais um ator europeu.

Na mesma linha, o Oriente Médio deve ser um lugar de lazer econômico, não de “guerras sem fim”. Essa parte é positiva, dado fracasso evidente dos EUA em tentar forçar a democracia na região e outras na antiga Guerra ao Terror.

O pedágio, como no caso russo e chinês, é ignorar a natureza dos regimes. Daí o herdeiro do trono saudita ouvir de Trump que o desmembramento de um jornalista num consulado do reino “acontece” é um corolário anterior à assertiva.

Tisnado por noções fascistóides como a “saúde da nação”, o texto pode não ter o alcance pretendido, como é usual, e pode ser revertido à frente. Mas a erosão institucional promovida por Trump sugere mais permissividade para sua adoção, noves fora o fato de que ele foi eleito com essa plataforma.

O arcabouço de organismos internacionais para mediar as relações entre países montado com o apoio dos EUA está obsoleto, mas é incerto o que Trump oferece em troca.

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