Sabemos que a dieta cada vez mais personalizada de notícias contribui para a erosão democrática. O tiozão dependente do grupo no “zap” dificilmente vai procurar análises de acontecimentos que afetam seus direitos, sua saúde ou seu bolso.
Um dos clichês do humor contemporâneo em vídeo é enviar comediantes para entrevistar eleitores nas ruas, o que resulta em demonstrações de desinformação tão hilariantes quanto assustadoras.
Este cenário é agravado pelo fato de que boa parte do noticiário envolvendo negócios e medidas econômicas é editorialmente segregado. Há uma semana consumimos manchetes sobre a disputa espetacular entre gigantes da mídia global pela posse da Warner.
Mas não encontramos destaque para uma pergunta: por que o icônico estúdio centenário cujas produções de sucesso comercial acumularam múltiplas indicações para o Globo de Ouro nesta semana precisa arranjar casamento?
A história não é simples e pode ser exemplificada pelos nomes extras adquiridos ao longo das décadas pelo estúdio, dois especialmente infames: AOL e AT&T. A Warner é o monstrengo resultante de uma esteira de más fusões impulsionadas pela droga das consolidações distribuída a acionistas por Wall Street, que deixou a empresa afogada em dívidas. E parece ser o endividamento, não uma estratégia de produção e distribuição, o motor desta venda.
As dívidas, no entanto, não arranharam os cofres dos vorazes homens no topo. David Zaslav, o deslumbrado alpinista social que assumiu a presidência da Warner há apenas três anos, deve faturar estimados US$ 500 milhões por desovar o conglomerado Warner.
A brutal transição para o entretenimento digital neste milênio foi feita sem planos de torná-lo economicamente viável. Um albatroz nas costas da Warner é seu braço jornalístico, que inclui canais em declínio terminal de audiência, como a CNN.
Poucas disputas em suítes executivas ilustram o caráter político desta guerra entre titãs corporativos como o caso Warner. Todos os envolvidos passaram os últimos meses cortejando a Casa Branca ativamente e fazendo promessas de noivado que, se realizadas, hão de afetar não só o consumo de entretenimento —como na ameaça de esvaziamento das salas de cinema para beneficiar o streaming— quanto a independência jornalística.
No mês passado, o jornal The Guardian noticiou que o bilionário Larry Ellison, amigo próximo de Donald Trump, já teria discutido com ele a demissão de jornalistas da CNN que atraem a antipatia do presidente. Nesta quarta-feira (10), Trump botou o dedo na balança, dizendo que a CNN precisa ser incluída na venda da Warner, o que contraria a oferta feita pela Netflix e favorece a Paramount, da família Ellison.
Tim Wu, um dos maiores especialistas em leis antitrustes dos EUA, escreveu nesta semana que ambas as propostas de compra da Warner, tecnicamente, violam uma lei de 1914 criada para proteger consumidores de monopólios. Seja qual for a oferta vencedora, os consumidores devem ser tungados pelo aumento do custo de acesso a conteúdos.
Num artigo de opinião no jornal The New York Times, Wu lembrou que a Warner tem cem anos de história de inovação e riscos —dois chocalhos mágicos que oligarcas adoram sacudir para o público enquanto pedem isenção de impostos e benesses estatais. Do primeiro estúdio a investir no cinema falado, nos anos 1920, ao apostador em programação inovadora como “A Família Soprano“, o estúdio que tanto simbolizou o “soft power” americano no último século merecia uma velhice mais digna.
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