“Sexa”, estreia de Gloria Pires na direção, pode ser visto como um filme-manifesto contra o machismo e o etarismo no cinema. Mas um filme-manifesto suave, despretensioso e divertido. No longa, a atriz interpreta Bárbara, uma revisora de textos que acaba de completar 60 anos. Em meio à nostalgia pelo colágeno perdido e aos comentários maldosos do filho-sanguessuga, ela conhece Davi (Thiago Martins), um técnico de informática 25 anos mais jovem. Os dois flertam, se envolvem e iniciam um romance.
Mas, se em filmes como “Substância” e “Babygirl”, ambos do ano passado, as questões ligadas ao envelhecimento ficam em primeiro plano —a não aceitação das mudanças físicas, a lida com o preconceito—, e são narradas com drama, suspense e terror, Gloria Pires optou pela via da comédia romântica. E esse é o maior trunfo de seu filme.
Contrariando expectativas fatalistas, a história de Bárbara e Davi flui, eles se curtem e se respeitam. Interpretada por Isabel Fillardis, Cristina, amiga e vizinha da protagonista, atua como uma divertida fada-madrinha, capaz de aplacar ansiedades e valorizar as conquistas com a passagem do tempo: liberdade, dinheiro, amizades duradouras.
É na boca de Cristina que surge o título do filme, “Sexa”, abreviação picante para “sexagenária”. Há, é verdade, um tom de autoajuda não só na postura da amiga, mas em todo filme. A própria Bárbara detecta, mal-humorada, os chavões da amiga na tentativa de “glamourizar a velhice”.
“Sexa” não pretende ser um filme muito profundo, nem muito original, ainda que as frases de Clarice Lispector, reproduzidas na abertura, possam indicar o contrário –”Tive um sonho nítido inexplicável: sonhei que brincava com meu reflexo. Mas meu reflexo não estava num espelho e refletia uma outra pessoa que não eu”. A passagem pertence ao livro “Um Sopro de Vida”, escrito na maturidade.
A literatura tem, sim, peso na relação entre Bárbara e Davi. Ela empresta livros escritos por mulheres a ele (Clarice Lispector e Sylvia Plath), ele apresenta “Harry Potter” a ela. Mas os bordões do dia a dia acabam prevalecendo, como o slogan de empoderamento 60+, repetido por três vezes na voz de três diferentes personagens: “Eu ganhei essa coroa, e vou usá-la com orgulho”.
De fato, a protagonista de Gloria Pires não tem grandes excentricidades. É uma carioca elegante e sensual, como tantas outras da mesma idade. Está, portanto, distante não só das personagens clariceanas, mas também de outras sexagenárias do cinema, como a interpretada por Emma Thompson em “Boa Sorte, Leo Grande” (2022), de Sophie Hyde.
Por isso, você talvez fique com a sensação de que já ouviu aqueles diálogos antes –de “a idade pesa” e “você não tem idade para isso” às menções aos planos de procedimentos estéticos e aos questionamentos sobre o lugar do prazer no envelhecimento.
Com relação à estética audiovisual, tampouco há ousadia. Como no vocabulário das novelas da Globo, as mudanças entre as sequências são marcadas por planos de paisagens do Rio de Janeiro que, embora bem filmados, não agregam verdade nem dramaticidade à narrativa.
A grande originalidade de Gloria Pires em “Sexa” consiste, na realidade, em fazer uma comédia romântica fluida e positiva, sem chororô nem tragédia, em que uma mulher de 60 anos pode amar e ser amada por um homem de 35.



