Antes mesmo da chegada às livrarias, nesta quarta-feira (10), as memórias dos 20 dias de cárcere do ex-presidente Nicolas Sarkozy já dividem a França. O livro foi ridicularizado pela esquerda e saudado pela direita como o protesto de uma vítima de perseguição judicial.
Sarkozy, 70, que presidiu a França de 2007 a 2012, foi encarcerado em outubro na prisão de La Santé, em Paris. Ele foi condenado a cinco anos de prisão em um processo por suposto financiamento ilegal da campanha eleitoral de 2007 com dinheiro do ditador líbio, Muammar Gaddafi. No dia 10 de novembro, a Justiça lhe concedeu recurso em liberdade, que será julgado a partir de março.
O jornal Libération anunciou aos leitores que ia poupar-lhes o tempo de ler “Diário de um Prisioneiro”, título da obra. “A vida é muito curta para ler livros ruins, exceto quando se é pago para isso”, explicou o diário de esquerda.
O Le Figaro, por sua vez, publicou longa entrevista com Sarkozy, “injustamente detido”, segundo o tradicional jornal conservador parisiense. “As rugas estão mais marcadas, o rosto mais pensativo, a silhueta mais magra”, descreve o texto.
Sarkozy alega inocência. Segundo ele, o site de jornalismo investigativo Mediapart, que revelou o caso em 2012, baseou-se em documentos falsos, o que o site nega.
“A prisão é dura”, afirma o ex-presidente, que ficou em uma cela de 9 metros quadrados. “Aprendi muito em La Santé. Sobre os outros e sobre mim mesmo. Daria muito para poder olhar pela janela, sentir o prazer de ver os carros passarem.” Ele teve direito a visitas quase diárias, entre elas do atual ministro da Justiça, Gérald Darmanin, que é seu afilhdo político.
Os adversários perguntam como Sarkozy conseguiu produzir um livro de 216 páginas (vendido a € 20,90, ou R$ 130) em apenas três semanas de prisão. Também criticam a comparação que ele mesmo fez com o caso de Alfred Dreyfus, militar judeu injustamente acusado de espionagem no final do século 19. Dreyfus ficou quatro anos preso na inóspita Ilha do Diabo, na Guiana Francesa.
Ao Le Figaro, ele disse ter escrito todos os dias, com uma caneta Bic, e que burilou o manuscrito em casa, depois da libertação, com a ajuda dos advogados e da mulher, a cantora e ex-modelo Carla Bruni.
Nas últimas semanas, Sarkozy fez algumas aparições públicas ao lado de Bruni. O casal foi aplaudido em um restaurante de Paris e na basílica de Lourdes, no sul da França, onde assistiu à missa. “Durante os dias na prisão, recebi uma enorme quantidade de correspondência. E pude medir a importância das raízes cristãs da França”, disse o político.
Analistas enxergaram no tom do livro um sinal da aproximação cada vez maior entre direita e ultradireita, rumo a uma possível aliança na eleição presidencial de 2027. Em comum entre as duas correntes, há os ataques ao Judiciário. Marine Le Pen, líder da Reunião Nacional, maior partido da ultradireita, está recorrendo de uma condenação que a tornou inelegível por desvio de fundos do Parlamento Europeu.
Uma aliança direita-ultradireita romperia o histórico “cordão sanitário” que sempre impediu uma coalizão entre os herdeiros do ex-presidente Charles de Gaulle (1890-1970), herói da Segunda Guerra Mundial, e a RN, que luta para se desvincular da imagem de neofascista.
Mesmo que perca seu recurso no ano que vem, Sarkozy dificilmente voltará para atrás das grades. Em razão da idade, o mais provável é que cumpra o restante da pena em regime domiciliar.
O caso do financiamento líbio não é o único envolvendo o ex-presidente. Em 2024, ele foi condenado a um ano de prisão, em regime aberto, por notas fiscais falsas da campanha fracassada à reeleição, em 2012. Este ano, Sarkozy teve que usar tornozeleira eletrônica durante três meses, condenado em outro processo, por busca ilegal de informações sobre inquéritos em que ele era investigado.



