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As mulheres estariam fodidas sem o Chico Bosco? – 09/12/2025 – Joanna Moura

Nunca li os livros do Chico Bosco, mas vira e mexe paro para ouvi-lo quando surge na minha timeline em trechos do Papo de Segunda, programa do GNT em que quatro homens cis héteros debatem assuntos da atualidade.

Não tenho nada contra Chico. Aliás, boa parte de suas reflexões durante o programa me parece bastante razoável. Mas, nos últimos dias, vi minhas redes serem inundadas por chamadas sobre uma entrevista que o filósofo (como passou a ser conhecido pelo grande público) deu à revista Veja. Os trechos da entrevista, repostados no Instagram por mulheres que admiro, eram acompanhados de legendas consternadas.

A chamada em questão trazia aspas do próprio Chico: “Há uma confusão entre a crítica ao machismo e a crítica aos homens”, ele dizia. Já as legendas apontavam uma série de supostos problemas na linha de raciocínio do entrevistado, além de evidenciarem um cansaço das mulheres com relação a essa aparente relativização que frequentemente aparece no discurso de homens ditos progressistas. O bom e velho: “não são os homens, é o machismo”.

Graças a uma semana particularmente intensa, com viagem, trabalho, filho doente e a minha coluna travada, me mantive relativamente distante do assunto. Mas eis que hoje me deparei com o vídeo do próprio Chico em resposta às críticas que vem recebendo pós-entrevista.

Em frente a uma prateleira cheia de livros, Chico começa o vídeo dizendo que aquele era “mais um desses vídeos contraditórios que são dirigidos justamente às pessoas que não têm condições de escutá-los”. Chico então menciona que a entrevista teria sido feita antes da série de terríveis episódios de feminicídio que abalaram o país, como se o timing da publicação fosse em parte responsável pela consternação da reação provocada. Confesso que esse trecho de sua fala foi o primeiro a me causar incômodo. Afinal, o Brasil é um dos países que mais mata mulheres todos os dias, aquela semana não fugia à regra.

Ele segue construindo seu raciocínio a partir do argumento da civilidade do debate. Diz que muita gente não leu a entrevista e critica quem teve reações emocionais ao que leu. Para exemplificar, cita a atriz Alice Carvalho, que, diante da entrevista (ou de trechos dela), teria feito um comentário curto e direto: “só falou bosta”. Em tom de voz calmo, Chico então resgata um currículo supostamente intelectualmente superior, calcado em sua “escuta de minorias”, para diminuir a opinião dessa mulher, tachando-a de “emocional demais”.

Mas o que mais me incomodou no tal vídeo foi o momento em que Chico, que se diz “um homem progressista de esquerda”, afirma: “Se eu sou o inimigo de vocês, vocês estão fodidas”.

Eu entendi o que ele quis dizer. Em meio a tantos discursos retrógrados e violentos contra as mulheres, em tempos de red pills e incels, o movimento feminista precisa de aliados. E Chico certamente se vê como um deles.

Mas se esse aliado em particular é de fato um aliado, alguém que segundo si mesmo prega a escuta, deixo aqui a minha provocação a ele e a tantos outros homens que se colocam deste lado da luta contra a misoginia: se nem você, que se diz um aliado, está aberto a escutar quando uma mulher lhe diz que falou bosta, aí sim, realmente, estamos fodidas.


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