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Aos 91, Frank Bowling expõe pela primeira vez no Brasil – 09/12/2025 – Ilustrada

“Sim, tudo começa no chão” —vem a confirmação. No ateliê, telas sem chassi são posicionadas no assoalho de madeira, onde pigmentos são despejados, materiais de densidades e texturas variadas sobrepostos em diferentes tempos de secagem e, então, é possível assistir a tudo fluindo, reagindo e tomando sua forma —o que Frank Bowling faz com a satisfação de quem sabe contemplar e entende o valor de um rio a correr seu curso.

Visitar o artista de 91 anos em seu ateliê exige reconsiderar o tempo. Bowling, que expõe pela primeira vez no Brasil com 25 obras na 36ª Bienal de São Paulo, há quatro décadas tem seu ateliê ao sul do rio Tâmisa, em Londres, cidade que adotou aos 19 anos e onde se formou pintor na Royal College of Arts em 1962.

Pelos anos seguintes. Bowling se dividiria entre os dois lados do Atlântico até se estabelecer em Nova York de 1966 a 1975. Transitar entre essas duas cenas artísticas foi fundamental para seu distanciamento da figuração, levando-o em direção à espontaneidade e gestualidade do expressionismo abstrato que passou a caracterizar sua produção.

Sua participação nos debates artísticos desse período se deu tanto pela pintura quanto pela crítica de arte que escrevia enquanto colaborou para as revistas Arts Magazine e Art News, analisando a produção de artistas como Jasper Johns e Larry Poons —cuja afinidade com suas próprias investigações estéticas é notável; Johns, com seus mapas; e Poons, com a expressividade do empasto e das texturas escorridas e respingadas. Sua prática como crítico se desenvolveu em meio às respostas que dava, nas mesmas revistas, a discussões sobre a nomeada “arte negra” –título que questionou veementemente, preferindo se concentrar nas preocupações do formalismo na pintura aos debates mais explicitamente políticos.

Guianense, Bowling nasceu em Bartica e cresceu em Nova Amsterdam (então Guiana Britânica). Conquistado o seu espaço na capital do Império, lá foi o primeiro artista negro a ser eleito membro da Royal Academy of Arts e, em 2008, foi condecorado com a Ordem do Império Britânico (OBE) por seus serviços à arte, reconhecidos enquanto pintor e escritor.

“Acho que minha pintura é influenciada pela escrita. Acho que ela se soltou através das palavras”, diz ele, reconhecendo a importância da prática como forma de dar vazão para a elaboração conceitual do que perseguia nas telas. Da mesma forma, deixou a escrita de escanteio quando o jogo começou a virar: “Algumas das experiências que eu estava tentando capturar na pintura vieram do fato de eu não conseguir escrever sobre elas”. Com o passar do tempo, Bowling deixou de gostar de escrever, o que justifica ressaltando que “pintar vem de fontes muito mais intuitivas.”

Atualmente, no estúdio de Bowling, o tempo é cíclico. Ele trabalha em um conjunto de telas ao mesmo tempo, num sistema rotacional. Cerca de seis a oito por vez, ocupando duas das paredes do ateliê: metade das telas nas paredes e a outra parte espelhando-as no chão, de forma que, somado ao trabalho intencional, já descrito, Bowling e seus assistentes colecionam interferências incidentais enquanto trabalham nas obras que estão nas paredes – respingos, marcas de onde se apoiou o balde de tinta e, inclusive, pegadas. Conforme as telas da parede ficam prontas, abre-se espaço para que as do chão sejam promovidas, cada qual em seu próprio tempo.

Foi também através da escrita que Bowling chegou à sua preocupação com a paisagem, enquanto escrevia sobre Mondrian em sua tese para a Royal College of Art. “Ao escrever, racionalizei [seu] trabalho relacionando-o à maneira como os holandeses controlavam suas terras, que estão abaixo do nível do mar e sempre ameaçadas pela água.” Encontrar na geometria específica de Mondrian a conexão com a paisagem – tal qual a coincidência com as paisagens de sua própria terra natal, voltou a atenção de Bowling para “um tipo de compreensão formal da natureza”, afirma, acrescentando a suspeita própria de que seu interesse pelo formalismo começara ali.

Alinhada às preocupações formais, a atenção de Bowling a mecanismos de enquadramento se provam recorrentes. “Para que a imagem dê o melhor de si, ela precisa ser delimitada em alguma instância.” Isto se dá desde o chão –onde ripas de madeira improvisam a elevação das bordas da tela e permitem conter ali tudo o que o artista quiser (que vai de gel, glíter ou água fervendo, a brinquedos de plástico ou a chave do carro de alguém)– até bordas de fato, costuradas à tela antes de receber o chassi, criando, assim, molduras dentro da obra, geralmente com alto contraste e uma dose de movimento criada por inclinações e sobreposições de aparência espontânea.

Além disso, o artista joga com isso dentro das próprias composições, recorrendo a barras ou linhas marcantes que orientam o movimento dentro da obra como vigas ou alicerces (“Birthday”, 1961, é exemplo claro de como essa estratégia o acompanha desde a figuração; retrato de um parto intermediado por linhas verticais no primeiro plano que emolduram a cena e direcionam o olhar com precisão).

O próprio mapa da América do Sul, iconografia mais simbólica e memorável de toda a sua carreira, pode ser observado como mais um interesse pelas áreas limítrofes, que o artista parece abordar pela perspectiva topográfica, de mapas como continentes delineados, primeiramente, pela negociação entre terra e água.

Se, ao comentar sobre a escrita, o artista reforçou a importância de “escrever a partir de sua própria experiência”, agora, em retrospecto e com a perspectiva que os mais de 65 anos de carreira permitem contemplar, Bowling soa bem resolvido com o fato de sua produção ser tão frequentemente interpretada em associação direta à sua origem, ele para quem o título (justo) de pintor britânico fora uma conquista.

Sua maneira de pensar ‘origem’, no entanto, hoje parece extremamente focada: Bowling conversa sobre chão-paisagem em oposição ao território delineado por humanos, contra humanos e para disputa. Seu interesse e atenção parecem permanecer pousados nas comparações de luz e das diferentes extensões de água, rios ou oceano, que o unem ou o separam das outras experiências possíveis do mundo.

Quando questionado sobre seus retornos à terra natal, recorda que não foram tantos assim, mas que as experiências que teve o impressionaram, pois lá pôde identificar “lugares que estão presentes no meu trabalho e na minha vida”, aponta. “Eu acho que a luz no meu trabalho está mais próxima dessa luz que eu já tinha vivenciado –mesmo não que eu tivesse absorvido conscientemente à altura, e que, então, em Londres, eu estava tentando recriar”, acrescenta Bowling. “Essa diferença deixa a gente sensível. Às vezes, aprender um idioma é mais fácil do que se adaptar ao que você sente quando se movimenta pelo mundo.”

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